São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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ATMOSFERA

Pingos de chuva detectados em área de desmatamento são os maiores do mundo, com 1 centímetro de diâmetro

Queimadas amazônicas criam supergotas

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As queimadas fecharam o tempo na Amazônia. Durante um estudo com partículas de fumaça, cientistas americanos mediram o tamanho dos pingos de chuva em regiões em que o fogo na floresta é comum. E se assustaram com o resultado: aquelas eram as maiores gotas já detectadas no mundo. Segundo eles, isso é conseqüência da devastação causada pelo fogo.
Peter Hobbs e Arthur Rangno, da Universidade de Washington em Seattle, vieram ao Brasil em 1995 e descobriram nas áreas de queimadas gotas de 8,8 mm a 1 cm de diâmetro -as "normais" têm de 0,3 mm a 0,9 mm. Segundo os cientistas, as supergotas não são um bom sinal para o futuro ambiental da região amazônica.
"Não esperávamos encontrar isso. Nunca havíamos visto nada assim em 30 anos voando atrás de gotas. E com certeza, nada assim havia sido documentado antes", disse à Folha o físico Hobbs, 68.
Os cientistas usaram uma sonda de precipitação, aparelho que registra a passagem de gotas enquanto um avião voa dentro da nuvem. Pela sombra projetada pelas gotas, ele mede seu diâmetro médio em tempo real.
As gotas gigantes vistas no Brasil, segundo Hobbs, são um fator preocupante por dois motivos.
Por um lado, elas mostram que partículas também gigantes de fumaça estão sendo liberadas para a atmosfera. Por outro -embora pareça contraditório, explica o cientista-, elas são um sinal de que pode estar chovendo menos nessas regiões. Isso porque, para ele, as supergotas só aparecem quando há muitas gotículas com tamanho insuficiente para virar chuva e, de repente, uma partícula gorda de cinza aparece.
"Na verdade, o fato de a gente ter detectado essas gotas grandes em uma nuvem com outras regiões em que não chovia é mau sinal. Embora haja em diversas partes da nuvem essas gotas "gordas", que caem eficientemente, a chuva se reduz na média porque há muitas partículas menores que 28 milésimos de milímetro", afirma.
Segundo o físico Paulo Artaxo, da USP, a relação entre as duas coisas (a formação de gotas grandes como essas a partir das gotículas "inchovíveis") não é certa e precisa ser comprovada.
"Existe essa possibilidade da formação de supergotas a partir de partículas gigantes como cinzas volantes de queimadas", diz Artaxo. "Mas outra possibilidade é a de que os mecanismos de colisão-coalescência [a "junção" de gotículas pequenas sem uma partícula grande em torno da qual elas possa, se agregar] possam fabricar gotas tão grandes quanto 8 milímetros", afirma o cientista.
Para Artaxo, os dados dos americanos ainda são inconclusivos a esse respeito. "Creio que mais estudos terão que ser feitos para descobrir os mecanismos de formação dessas partículas", diz.
Ao que parece, pode ser até que as duas hipóteses coexistam. Uma das evidências estaria no mesmo estudo de Hobbes e Rangno, publicado na última edição da revista "Geophysical Research Letters" (www.agu.org/journals/gl). Os cientistas também mediram, em 1999, o tamanho das gotas de chuva nas Ilhas Marshall, no Pacífico, e acharam novamente supergotas. E lá não havia queimadas como as da Amazônia e nem partículas grandes de fumaça.
Hobbs diz que o fenômeno das supergotas dificilmente é exclusivo das áreas em que ele as encontrou. "Na minha opinião, deve haver isso em muitos outros lugares. Só demos sorte de medir coisas extremamente difíceis de ver."


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