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ATMOSFERA
Pingos de chuva detectados em área de desmatamento são os maiores do mundo, com 1 centímetro de diâmetro
Queimadas amazônicas criam supergotas
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
As queimadas fecharam o tempo na Amazônia. Durante um estudo com partículas de fumaça,
cientistas americanos mediram o
tamanho dos pingos de chuva em
regiões em que o fogo na floresta é
comum. E se assustaram com o
resultado: aquelas eram as maiores gotas já detectadas no mundo.
Segundo eles, isso é conseqüência
da devastação causada pelo fogo.
Peter Hobbs e Arthur Rangno,
da Universidade de Washington
em Seattle, vieram ao Brasil em
1995 e descobriram nas áreas de
queimadas gotas de 8,8 mm a 1
cm de diâmetro -as "normais"
têm de 0,3 mm a 0,9 mm. Segundo os cientistas, as supergotas não
são um bom sinal para o futuro
ambiental da região amazônica.
"Não esperávamos encontrar
isso. Nunca havíamos visto nada
assim em 30 anos voando atrás de
gotas. E com certeza, nada assim
havia sido documentado antes",
disse à Folha o físico Hobbs, 68.
Os cientistas usaram uma sonda
de precipitação, aparelho que registra a passagem de gotas enquanto um avião voa dentro da
nuvem. Pela sombra projetada
pelas gotas, ele mede seu diâmetro médio em tempo real.
As gotas gigantes vistas no Brasil, segundo Hobbs, são um fator
preocupante por dois motivos.
Por um lado, elas mostram que
partículas também gigantes de fumaça estão sendo liberadas para a
atmosfera. Por outro -embora
pareça contraditório, explica o
cientista-, elas são um sinal de
que pode estar chovendo menos
nessas regiões. Isso porque, para
ele, as supergotas só aparecem
quando há muitas gotículas com
tamanho insuficiente para virar
chuva e, de repente, uma partícula
gorda de cinza aparece.
"Na verdade, o fato de a gente
ter detectado essas gotas grandes
em uma nuvem com outras regiões em que não chovia é mau sinal. Embora haja em diversas partes da nuvem essas gotas "gordas",
que caem eficientemente, a chuva
se reduz na média porque há muitas partículas menores que 28 milésimos de milímetro", afirma.
Segundo o físico Paulo Artaxo,
da USP, a relação entre as duas
coisas (a formação de gotas grandes como essas a partir das gotículas "inchovíveis") não é certa e
precisa ser comprovada.
"Existe essa possibilidade da
formação de supergotas a partir
de partículas gigantes como cinzas volantes de queimadas", diz
Artaxo. "Mas outra possibilidade
é a de que os mecanismos de colisão-coalescência [a "junção" de
gotículas pequenas sem uma partícula grande em torno da qual
elas possa, se agregar] possam fabricar gotas tão grandes quanto 8
milímetros", afirma o cientista.
Para Artaxo, os dados dos americanos ainda são inconclusivos a
esse respeito. "Creio que mais estudos terão que ser feitos para
descobrir os mecanismos de formação dessas partículas", diz.
Ao que parece, pode ser até que
as duas hipóteses coexistam. Uma
das evidências estaria no mesmo
estudo de Hobbes e Rangno, publicado na última edição da revista "Geophysical Research Letters"
(www.agu.org/journals/gl). Os
cientistas também mediram, em
1999, o tamanho das gotas de chuva nas Ilhas Marshall, no Pacífico,
e acharam novamente supergotas. E lá não havia queimadas como as da Amazônia e nem partículas grandes de fumaça.
Hobbs diz que o fenômeno das
supergotas dificilmente é exclusivo das áreas em que ele as encontrou. "Na minha opinião, deve haver isso em muitos outros lugares.
Só demos sorte de medir coisas
extremamente difíceis de ver."
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