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Troquem as lâmpadas
Britânico que ajudou a pôr a mudança climática na agenda política faz livro raso sobre o debate
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Passar um dia entre as
belas construções da
Alhambra, complexo
de palácios e jardins
feito pelos mouros no
século 13 em Granada, Espanha, é inspirador para quem
também está preocupado com
a mudança climática global.
A arquitetura mourisca, muito antes da Revolução Industrial - período em que começou a injeção de quantidades
absurdas de gás carbônico na
atmosfera- já era sábia. É só
olhar para os espelhos d'água
refrescantes e para os telhados
inclinados, que evitam a incidência direta dos raios solares
inclementes da Andaluzia.
Dicas desse tipo, de como pode ser simples enfrentar o
aquecimento global, são a melhor parte do livro "O Tema
Quente", recém-lançado no
Brasil. A obra assinada pela jornalista inglesa Gabrielle Walker e pelo ex-assessor científico do governo britânico Sir David King é repleta de receitas.
Seja para arquitetos -no caso-, seja para os cidadãos.
"Use menos o carro. Desligue
os aparelhos da tomada quando eles não estão sendo usados.
Em casa, troque suas lâmpadas
comuns pelas brancas [compactas fluorescentes], que consomem menos."
Para quem acompanha o
problema desde quando ele começou a surgir na imprensa, há
mais de 15 anos, o livro soa como algo um tanto repetitivo.
A deficiência não é apenas
essa. Mesmo quem já sabe
quem são os culpados pelo clima estar quente -as emissões
dos países ricos e da China, o
desmatamento amazônico patrocinado pelo Brasil, aviões,
navios e o alto consumo energético de carvão e gasolina-
não consegue achar na obra
mais que um panorama genérico das mudanças do clima.
Quando descreve o futuro e
pede urgência para que um
acordo internacional seja fechado, a dupla assusta os leitores -o que não é algo necessariamente ruim. É impossível
achar que haverá tempo para
tornar o planeta menos inóspito até 2100. King sabe disso como ninguém: ele foi um dos
maiores responsáveis pela inserção do tema mudança climática na agenda política do
Reino Unido de Tony Blair.
Excesso de diplomacia
Mas, em vez de escolher um
caminho e trilhá-lo, King e
Walker preferem não contribuir para o debate franco.
Como o Protocolo de Kyoto
já faz água, e os EUA não vão ratificá-lo mesmo, todos sabem
que é preciso uma nova costura
diplomática. No caso desse novo pacto, quatro pontos principais precisam ser incluídos, dizem os autores do livro.
Metas globais. Índices nacionais, incentivos financeiros caso as metas sejam atingidas (ou
punições se forem ignoradas),
além de fluxo de recursos dos
ricos para os pobres.
O problema é que "O Tema
Quente" se limita a descrever
cenários futuros e a listar níveis
de emissão por país, sem ousar
escolher um cenário ideal.
O melhor mesmo é voltar para o mundo real. Neste caso, fora das salas aquecidas ou hiper-refrigeradas das organizações
internacionais, é que o livro
volta a ter importância. A obra
acerta, por exemplo, quando
diz que a "cor do dinheiro é oficialmente verde".
Arma oportunista
Ao entrar na história com tudo, o mercado -não apenas o
de carbono- é quem ditará as
regras. Investimento em energias alternativas, seqüestro de
carbono no fundo do mar, créditos de carbono. São exemplos
citados no livro que podem ser
pinçados do dia-a-dia.
Mas a falta de uma visão sistêmica dos autores pode servir
de arma para oportunistas.
Acreditar só no mercado ou nas
novas tecnologias é assinar o
atestado de óbito da Terra.
A questão passa por uma mudança de visão de mundo. Em
incluir no dia-a-dia de todos os
setores da sociedade a preocupação ambiental. Neste caso,
um dos vários bordões usados
na obra pode até fazer sentido:
"aja localmente para mudar as
coisas globalmente".
No fundo, o último subtítulo
da obra, por mais que seja possível discordar dele, resume a
última saída: "Seja otimista".
Pelas contas do relatório
Stern, do governo britânico
(que King, aliás, ajudou a produzir), o custo de frear o aquecimento global não é alto. Para
um otimista, o famoso 1% do
PIB mundial- o quanto será
preciso gastar- é um terço da
receita de toda a indústria de
seguros. Porém, é sete vezes
mais do que o mundo gasta com
assistência humanitária.
Nem mesmo a inspiração de
uma vida toda na Alhambra seria suficiente para deixar o clima menos quente.
LIVRO: "O Tema Quente"
G. Walker e Sir David King; ed. Objetiva; 288 págs.; R$ 39,90
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