São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Troquem as lâmpadas

Britânico que ajudou a pôr a mudança climática na agenda política faz livro raso sobre o debate

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Passar um dia entre as belas construções da Alhambra, complexo de palácios e jardins feito pelos mouros no século 13 em Granada, Espanha, é inspirador para quem também está preocupado com a mudança climática global.
A arquitetura mourisca, muito antes da Revolução Industrial - período em que começou a injeção de quantidades absurdas de gás carbônico na atmosfera- já era sábia. É só olhar para os espelhos d'água refrescantes e para os telhados inclinados, que evitam a incidência direta dos raios solares inclementes da Andaluzia.
Dicas desse tipo, de como pode ser simples enfrentar o aquecimento global, são a melhor parte do livro "O Tema Quente", recém-lançado no Brasil. A obra assinada pela jornalista inglesa Gabrielle Walker e pelo ex-assessor científico do governo britânico Sir David King é repleta de receitas. Seja para arquitetos -no caso-, seja para os cidadãos.
"Use menos o carro. Desligue os aparelhos da tomada quando eles não estão sendo usados. Em casa, troque suas lâmpadas comuns pelas brancas [compactas fluorescentes], que consomem menos."
Para quem acompanha o problema desde quando ele começou a surgir na imprensa, há mais de 15 anos, o livro soa como algo um tanto repetitivo.
A deficiência não é apenas essa. Mesmo quem já sabe quem são os culpados pelo clima estar quente -as emissões dos países ricos e da China, o desmatamento amazônico patrocinado pelo Brasil, aviões, navios e o alto consumo energético de carvão e gasolina- não consegue achar na obra mais que um panorama genérico das mudanças do clima.
Quando descreve o futuro e pede urgência para que um acordo internacional seja fechado, a dupla assusta os leitores -o que não é algo necessariamente ruim. É impossível achar que haverá tempo para tornar o planeta menos inóspito até 2100. King sabe disso como ninguém: ele foi um dos maiores responsáveis pela inserção do tema mudança climática na agenda política do Reino Unido de Tony Blair.

Excesso de diplomacia
Mas, em vez de escolher um caminho e trilhá-lo, King e Walker preferem não contribuir para o debate franco.
Como o Protocolo de Kyoto já faz água, e os EUA não vão ratificá-lo mesmo, todos sabem que é preciso uma nova costura diplomática. No caso desse novo pacto, quatro pontos principais precisam ser incluídos, dizem os autores do livro.
Metas globais. Índices nacionais, incentivos financeiros caso as metas sejam atingidas (ou punições se forem ignoradas), além de fluxo de recursos dos ricos para os pobres.
O problema é que "O Tema Quente" se limita a descrever cenários futuros e a listar níveis de emissão por país, sem ousar escolher um cenário ideal.
O melhor mesmo é voltar para o mundo real. Neste caso, fora das salas aquecidas ou hiper-refrigeradas das organizações internacionais, é que o livro volta a ter importância. A obra acerta, por exemplo, quando diz que a "cor do dinheiro é oficialmente verde".

Arma oportunista
Ao entrar na história com tudo, o mercado -não apenas o de carbono- é quem ditará as regras. Investimento em energias alternativas, seqüestro de carbono no fundo do mar, créditos de carbono. São exemplos citados no livro que podem ser pinçados do dia-a-dia.
Mas a falta de uma visão sistêmica dos autores pode servir de arma para oportunistas. Acreditar só no mercado ou nas novas tecnologias é assinar o atestado de óbito da Terra.
A questão passa por uma mudança de visão de mundo. Em incluir no dia-a-dia de todos os setores da sociedade a preocupação ambiental. Neste caso, um dos vários bordões usados na obra pode até fazer sentido: "aja localmente para mudar as coisas globalmente".
No fundo, o último subtítulo da obra, por mais que seja possível discordar dele, resume a última saída: "Seja otimista".
Pelas contas do relatório Stern, do governo britânico (que King, aliás, ajudou a produzir), o custo de frear o aquecimento global não é alto. Para um otimista, o famoso 1% do PIB mundial- o quanto será preciso gastar- é um terço da receita de toda a indústria de seguros. Porém, é sete vezes mais do que o mundo gasta com assistência humanitária.
Nem mesmo a inspiração de uma vida toda na Alhambra seria suficiente para deixar o clima menos quente.

LIVRO: "O Tema Quente"
G. Walker e Sir David King; ed. Objetiva; 288 págs.; R$ 39,90



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