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BIOQUÍMICA
Físico da Unesp analisa proteína de ação analgésica da cascavel com Kurt Wüthrich, um dos premiados deste ano
Brasileiro estuda veneno de cobra com Nobel
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o físico Valmir Fadel
decidiu deixar Ribeirão Preto, no
interior de São Paulo, para concluir seu doutorado na Suíça, não
imaginava que iria trabalhar com
Kurt Wüthrich no dia em que o
químico suíço seria agraciado
com o Nobel. Mas aconteceu, na
quarta-feira da semana passada.
Fadel, 43, está lá desde março,
destilando o seu veneno. Ou melhor, não o dele, mas o da cascavel. Seu trabalho de doutorado
envolve a decifração da estrutura
de uma das proteínas que compõem o veneno da Crotalus durissus terrificus, serpente típica do
Brasil. Mas a semana passada foi
só festa no laboratório de Wüthrich em Zurique, parte do Instituto Federal Suíço de Tecnologia.
"Foi um agito só, um amontoado de repórteres", relata Fadel por
telefone de sua sala no instituto.
"Mas eu não dei muita entrevista.
Todo mundo falava alemão e eu
não falo uma palavra."
A pesquisa de Fadel se beneficia
da técnica que levou Wüthrich a
ganhar o Nobel. Trata-se de um
método capaz de ajudar a decifrar
a estrutura de uma proteína a partir da detecção de como seus átomos reagem a ondas de rádio (a
chamada técnica de ressonância
magnética nuclear). Com a informação obtida, é possível dizer a
composição exata da proteína e
também seu formato.
A técnica já era velha conhecida
dos químicos, mas ninguém conseguia usá-la com grandes moléculas, como as proteínas. Ninguém -até Wüthrich. "Foi por
isso que ele recebeu o Oscar, digo,
o Nobel", diz Fadel, em um compreensível ato falho após a intensa
presença dos holofotes no laboratório, semana passada.
As proteínas são as substâncias
que regem basicamente tudo o
que ocorre no organismo. Descobrir a forma de uma proteína é como conseguir a chave do cofre: já
que é o formato da proteína que
determina a sua função, saber a
estrutura é o primeiro passo para
descobrir como imitar (ou evitar)
um efeito específico.
A proteína que Fadel está estudando é a crotamina, um composto montado a partir de 42 aminoácidos (tijolos básicos de que
são feitas as proteínas). "Supondo
uma média de dez átomos para
cada aminoácido, é a posição de
420 átomos que estou tentando
descobrir", diz, enfatizando a dificuldade do trabalho.
Por outro lado, a recompensa
pode ser alta. A crotamina tem algumas propriedades interessantes, especialmente sua ação analgésica no organismo humano.
"Estima-se que seja 30 vezes mais
potente que a do ópio", afirma. "É
uma característica de alto interesse farmacológico."
O problema é que a crotamina
não é assim tão inocente. "Ela não
só tira a dor do paciente, ela mata
o paciente também", conta Fadel,
ao informar que a substância
também age no sistema muscular,
causando contração e necrose
(morte) dos tecidos. "O principal
objetivo da cobra é imobilizar sua
vítima", afirma.
"Drug design"
Daí a importância de decifrar a
estrutura da proteína. Com ela,
seria possível determinar que pedaço da crotamina é responsável
por qual efeito, separadamente. A
seguir, os cientistas poderiam
usar essa informação para criar
uma droga parecida com o pedaço que se quer imitar, evitando os
desagradáveis efeitos colaterais
da molécula original. "É a melhor
maneira de construir remédios
hoje em dia, que se costuma chamar de "drug design" ", diz.
A pesquisa do brasileiro, que é
do Instituto de Biociências, Letras
e Ciências Exatas da Unesp e está
na Suíça com uma bolsa da Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), é um bom exemplo de como
é penoso o trabalho rumo à proteômica -a ciência que quer desvendar as interações entre todas
as proteínas que agem em um determinado organismo. "Para decifrar uma só já é complicado",
diz Fadel. "Imagine todas elas."
O pesquisador, entretanto, não
larga o osso. "Há 20 anos, se me
perguntassem quanto tempo ia
levar para obtermos todas as letras que codificam o genoma humano, eu provavelmente diria
que isso nunca seria possível",
afirma. "Hoje, estamos com esse
trabalho praticamente pronto,
então é difícil apostar que a proteômica é um sonho impossível.
O que dá para dizer é que, com a
tecnologia de hoje, ainda estamos
muito longe de chegar lá."
Fadel, entretanto, não tem todo
esse tempo. Sua bolsa expira em
março, quando o pesquisador deve retornar à Unesp. "Pelo tipo de
bolsa que eu tenho, sou obrigado
a voltar ao Brasil. E quero levar de
volta todo o conhecimento técnico que adquiri por aqui."
Enquanto isso, o cientista segue
na corrida para concluir seu doutorado. Ele não sabe quanto tempo ainda vai precisar. "Pode ser
semana que vem, pode ser em três
meses. Tudo vai depender dos resultados que estou obtendo agora", diz. "Algumas proteínas não
gostam de ser resolvidas."
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