São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 1998.



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PERISCÓPIO
O mítico mapinguari pode ter sido uma preguiça

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Na antiga Divisão Animal do Instituto Biológico, o professor Henrique da Rocha Lima, seu diretor, reunia todas as terças-feiras, pela manhã, o seu então jovem grupo de cientistas para relato e comentário de artigos científicos publicados nas principais revistas do gênero.
A essas reuniões frequentemente comparecia Artur Neiva, diretor-geral do Instituto Biológico, que participava dos debates e costumava contar episódios de sua vida como auxiliar de Oswaldo Cruz em Manguinhos, onde hoje estão instalados os laboratórios da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Foi de Neiva que, pela primeira vez, ouvi referência ao mapinguari, criatura muito comentada pelos nativos da floresta amazônica ocidental.
Para os nativos dessa região, essa criatura do tamanho de um homem, de pelagem vermelha e dotada de grito lancinante, raramente deixava a intimidade da mata, mas, em suas incursões pelas áreas civilizadas, podia ocasionalmente capturar uma pessoa, degolá-la e carregá-la para longe sob um dos membros dianteiros. Para a maioria dos especialistas, tudo isso não passa de mito.
Neiva afirmava haver visto de sua barraca, onde microscopava, um vulto estranho que identificou ser o mapinguari, que rapidamente desapareceu. Agora o assunto reaparece em artigo de Marguerite Holloway em "Scientific American".
Segundo Holloway, após oito anos de registro de alegados aparecimentos do mapinguari, David C. Oren, pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi, de Belém, no Pará, publicou uma monografia em que concita seus colegas a levar mais a sério os relatos sobre o esquivo indivíduo.
Para Oren, esse animal-mito, que outros têm descartado como esporádico primata ou urso andino transviado, poderia ser uma preguiça do chão ou terrestre.
As preguiças são mamíferos da ordem Edentada, ao lado dos tamanduás e tatus. Têm dentes molares e pés com garras longas e curvas, para abraçar os galhos das árvores, onde se penduram com o dorso para baixo.
Esses mamíferos alimentam-se de frutos, folhas e aves. Encerram dois gêneros: Bradypus, com três dedos, e Choloepus, com dois. As preguiças conhecidas são arborícolas; as do chão são fósseis.
As preguiças do chão, que podiam atingir porte de elefante, surgiram há mais de 30 milhões de anos, tendo sua extinção ocorrido entre cerca de 11 mil ou 8,5 mil anos atrás. Como as preguiças atuais, as fósseis também apresentam formas de dois e três dedos.
Segundo Oren, as descrições do mapinguari provenientes das mais diversas partes da Amazônia ocidental coincidem e são consistentes com as características obtidas a partir dos resíduos fósseis, que revelam pêlo vermelho e pele dura, salvo na região do umbigo, grito estridente e patas posteriores voltadas para trás.
O mesmo autor reconhece como fantasiosas as histórias de mapinguari colhidas na região oriental da Amazônia. A região ocidental, menos devastada, deve ter atuado como refúgio mais seguro das preguiças do chão, que talvez ainda possam existir como relíquias vivas.
Não será de estranhar que apareça alguma dessas relíquias. Recentemente, os exploradores da região situada entre o Laos e o Vietnã, no Sudeste Asiático, registraram três novos animais de que os zoólogos não tinham conhecimento direto, alguns com características antigas, como o muntjac gigante, a vaca Vu Quang, o veado vagaroso e várias outras preciosidades.
Vários dos exemplares conhecidos como espécies revelaram pertencer à categoria de gênero. São indivíduos que conseguiram sobreviver em ambientes mais ou menos isolados e ecologicamente estáveis.



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