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PERISCÓPIO
O mítico mapinguari pode ter sido uma preguiça
JOSÉ REIS
especial para a Folha
Na antiga Divisão Animal do
Instituto Biológico, o professor
Henrique da Rocha Lima, seu
diretor, reunia todas as terças-feiras, pela manhã, o seu
então jovem grupo de cientistas
para relato e comentário de artigos científicos publicados nas
principais revistas do gênero.
A essas reuniões frequentemente comparecia Artur Neiva,
diretor-geral do Instituto Biológico, que participava dos debates e costumava contar episódios de sua vida como auxiliar
de Oswaldo Cruz em Manguinhos, onde hoje estão instalados
os laboratórios da Fundação
Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Foi de Neiva que, pela primeira vez, ouvi referência ao mapinguari, criatura muito comentada pelos nativos da floresta amazônica ocidental.
Para os nativos dessa região,
essa criatura do tamanho de um
homem, de pelagem vermelha e
dotada de grito lancinante, raramente deixava a intimidade
da mata, mas, em suas incursões pelas áreas civilizadas, podia ocasionalmente capturar
uma pessoa, degolá-la e carregá-la para longe sob um dos
membros dianteiros. Para a
maioria dos especialistas, tudo
isso não passa de mito.
Neiva afirmava haver visto de
sua barraca, onde microscopava, um vulto estranho que identificou ser o mapinguari, que
rapidamente desapareceu. Agora o assunto reaparece em artigo de Marguerite Holloway em
"Scientific American".
Segundo Holloway, após oito
anos de registro de alegados
aparecimentos do mapinguari,
David C. Oren, pesquisador do
Museu Paraense Emilio Goeldi,
de Belém, no Pará, publicou
uma monografia em que concita seus colegas a levar mais a
sério os relatos sobre o esquivo
indivíduo.
Para Oren, esse animal-mito,
que outros têm descartado como esporádico primata ou urso
andino transviado, poderia ser
uma preguiça do chão ou terrestre.
As preguiças são mamíferos
da ordem Edentada, ao lado
dos tamanduás e tatus. Têm
dentes molares e pés com garras
longas e curvas, para abraçar os
galhos das árvores, onde se penduram com o dorso para baixo.
Esses mamíferos alimentam-se de frutos, folhas e aves.
Encerram dois gêneros: Bradypus, com três dedos, e Choloepus, com dois. As preguiças conhecidas são arborícolas; as do
chão são fósseis.
As preguiças do chão, que podiam atingir porte de elefante,
surgiram há mais de 30 milhões
de anos, tendo sua extinção
ocorrido entre cerca de 11 mil ou
8,5 mil anos atrás. Como as preguiças atuais, as fósseis também
apresentam formas de dois e
três dedos.
Segundo Oren, as descrições
do mapinguari provenientes das
mais diversas partes da Amazônia ocidental coincidem e são
consistentes com as características obtidas a partir dos resíduos
fósseis, que revelam pêlo vermelho e pele dura, salvo na região
do umbigo, grito estridente e
patas posteriores voltadas para
trás.
O mesmo autor reconhece como fantasiosas as histórias de
mapinguari colhidas na região
oriental da Amazônia. A região
ocidental, menos devastada, deve ter atuado como refúgio mais
seguro das preguiças do chão,
que talvez ainda possam existir
como relíquias vivas.
Não será de estranhar que
apareça alguma dessas relíquias. Recentemente, os exploradores da região situada entre
o Laos e o Vietnã, no Sudeste
Asiático, registraram três novos
animais de que os zoólogos não
tinham conhecimento direto,
alguns com características antigas, como o muntjac gigante, a
vaca Vu Quang, o veado vagaroso e várias outras preciosidades.
Vários dos exemplares conhecidos como espécies revelaram
pertencer à categoria de gênero.
São indivíduos que conseguiram sobreviver em ambientes
mais ou menos isolados e ecologicamente estáveis.
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