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Mapas e GPS viram armas de caboclos na Amazônia
Técnica permite a lavrador mapear impacto da soja e confrontar madeireiros
Cartografia feita por grupo de 55 pequenos agricultores aponta igarapés soterrados, estradas fechadas e vilas extintas pela monocultura
Claudio Angelo/Folha Imagem
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Morador de área afetada pela soja em Santarém exibe GPS |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A SANTARÉM
Quase uma década depois de
a monocultura da soja ter tomado de assalto a região de
Santarém, no Pará, o impacto
dessa atividade sobre o ambiente e o modo de vida de populações tradicionais do local
foi dimensionado pela primeira
vez. Um mapa lançado anteontem mostra que quase um
quarto das comunidades de pequenos agricultores nos municípios de Santarém e Belterra
foram reduzidas em razão da
expansão das fazendas de grão.
Duas delas desapareceram.
A denúncia partiu dos próprios comunitários. Munidos
de aparelhos de GPS (Sistema
de Posicionamento Global),
mais de 55 pequenos agricultores mapearam os efeitos da expansão da lavoura sobre rios,
florestas e a demografia de 121
comunidades, que vivem boa
parte delas cercadas de soja.
O mapa é um exemplo de um
fenômeno novo na Amazônia:
como as tecnologias da informação vêm sendo usadas por
populações locais para se contraporem a latifundiários, madeireiros e grileiros -e para se
tornarem visíveis ao poder público. Numa época em que até a
grilagem de terras é feita com o
auxílio de mapas de satélite, os
caboclos dão o troco.
"Cada vez mais esses instrumentos estão sendo colocados
à disposição deles. O que há
cinco anos era caro e complicado hoje é barato, simples e extremamente livre", diz o agrônomo Ricardo Folhes, do Projeto Saúde & Alegria.
A ONG de Santarém é pioneira em capacitar comunidades
locais a produzirem mapas
usando imagens de satélite. Seu
trabalho ajudou os moradores
do extremo oeste do Pará a produzirem uma proposta de destinação das terras da Gleba Nova Olinda, zona de 1,3 milhão de
hectares na qual um conflito
entre populações tradicionais e
madeireiros levou o governo do
Estado a decretar o congelamento de toda atividade econômica até que se resolva a questão fundiária.
"Não havia um mapa oficial
que mostrasse que tem gente
embaixo da floresta naquela região", diz Folhes. A proposta
das comunidades, que inclui a
criação de assentamentos extrativistas e até de uma terra indígena, será apreciada pelo governo até 13 de fevereiro.
Contraprova
Inspirado pela experiência, o
Greenpeace distribuiu aparelhos de GPS entre os sindicatos
de trabalhadores rurais de Santarém e Belterra e treinou os
associados a usá-los para mapear a região da soja. "Muita
gente não sabia nem usar celular", disse o geólogo Wayne Silva, do Greenpeace, especialista
em georreferenciamento, que
organizou oficinas de capacitação nas comunidades debaixo
de um pesadelo logístico: como
fazer o treinamento sem que os
sojicultores soubessem.
Os pontos georreferenciados
(ou seja, cujas coordenadas foram obtidas com precisão via
satélite, por meio do GPS) incluem 55 desmatamentos, 29
igarapés contaminados ou assoreados e uma dezena de acessos de comunidades às suas
áreas de produção bloqueados
por fazendas.
O estrago, segundo os pequenos agricultores, teria acontecido principalmente após o ano
2000, quando a multinacional
Cargill anunciou a construção
de um porto de escoamento de
soja em Santarém. Entre 2003,
ano em que o porto entrou em
operação, e 2005 a área ocupada por grandes propriedades
rurais dobrou na região.
Os caboclos denunciam o aumento da concentração fundiária e o êxodo rural causado pela
soja. Segundo o Greenpeace, o
mapa comunitário é uma "contraprova" ao EIA-Rima (estudo
e relatório de impacto ambiental) do porto. Este afirma que as
lideranças que indicaram esses
impactos "não puderam apresentar dados que permitissem
sua comprovação".
"Quando a gente fala que tem
um acesso bloqueado, um igarapé contaminado ou enterrado, as autoridades acham que a
gente está mentindo", diz José
Sebastião Paixão da Costa, diretor regional do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Santarém. "Com o mapa, a gente
tem como provar", afirma.
Na semana passada, a reportagem da Folha visitou comunidades mapeadas, acompanhada de moradores e do Greenpeace. De uma delas, Poço Branco, só restou um cemitério, cercado totalmente pela
lavoura. Em outra comunidade, a do Paca, um igarapé foi soterrado pelos fazendeiros. Sobrou só a escola abandonada.
O jornalista Claudio Angelo viajou de Manaus a
Santarém a convite do Greenpeace
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