São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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O que Jane Austen diria a Charles Darwin

Moral implícita da literatura tem papel evolutivo nas sociedades modernas, sugere estudo de psicólogos

PRIYA SHETTY
DA "NEW SCIENTIST"

Por que o hábito de contar histórias perdura através do tempo e das culturas?
Talvez a resposta esteja em nossas raízes evolutivas. Um novo estudo sobre a forma com que as pessoas reagem à literatura vitoriana sugere que os romances funcionam como uma espécie de cimento social, fortalcendo os tipos de comportamentos que beneficiam as sociedades. A literatura "pode condicionar a sociedade continuamente de forma que lutemos contra impulsos básicos e trabalhemos de forma mais cooperativa", afirma Jonathan Gottschall do Washington and Jefferson College, da Pensilvânia.
Gottschall e seu co-autor Joseph Carroll, da Universidade do Missouri em Saint Louis, estudam como as teorias de evolução de Darwin se aplicam à literatura. Junto de John Johnson, psicólogo da Universidade do Estado da Pensilvânia em DuBois, os pesquisadores pediram a 500 pessoas que preenchessem um questionário sobre 200 romances clássicos vitorianos. Os voluntários tinham de definir os personagens como protagonistas ou antagonistas. Depois, deveriam descrever suas personalidades e motivações, dizendo, por exemplo, se eram conscienciosos ou sedentos por poder.

Elizabeth x Drácula
A equipe descobriu que os personagens se encaixavam em grupos que refletiam a dinâmica igualitária de sociedades de caçadores-coletores, nas quais a dominância de indivíduos era suprimida em prol do bem geral. Os resultados do estudo estão na revista "Evolutionary Psychology" (vol. 4, pág. 716).
Protagonistas como Elizabeth Bennett, de "Orgulho e Preconceito", de Jane Austen, tinham pontuação alta em concienciosidade e dedicação. Por outro lado, antagonistas como o conde Drácula, do livro de Bram Stoker, pontuavam mais como caçadores de status e em dominância social.
Nos romances, o comportamento dominante é "poderosamente estigmatizado", afirma Gottschall. "Os malvados e as malvadas são apenas máquinas de dominação; estão obcecados por continuar prosseguindo nisso, raramente têm comportamento pró-social."
Apesar de pouca gente no mundo de hoje viver em sociedades de caçadores-coletores, "a dinâmica política operante nesses romances, ou seja, a oposição básica entre comunitarismo e comportamento de dominação, é um tema universal", afirma Carroll. Christopher Boehm, um antropólogo cultural que Carrol reconhece como importante influência em seu estudo, concorda. "Democracias modernas, com sua separação entre os poderes e equilíbrio entre eles, estão promovendo um ideal igualitário."
Nas respostas dos voluntáriso às questões, poucos personagens eram julgados ao mesmo tempo bons e maus, como Heathcliff de "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë, ou o sr. Darcy, de "Orgulho e Preconceito". "Eles revelam a pressão que é exercida sobre a manutenção da ordem social total", afirma Carroll.

Lição de moral
Boehm e Carroll dizem crer que os romances tenham o mesmo efeito que os contos com lição de moral das sociedades antigas. "Assim como os caçadores-coletores contavam sobre trapaça e intimidação para manter as pessoas mobilizadas no objetivo de evitar que os malvados vencessem, os romances nos direcionam para os mesmos problemas", afirma Boehm. "Eles têm uma função que continua a contribuir para a qualidade e para a estrutura da vida em grupo."
"Talvez as narrativas -sejam as da televisão ou as de contos populares- sirvam na verdade a uma função evolutiva específica", diz Gottschall. "Elas não são apenas subprodutos da adaptação evolutiva."


Tradução de Rafael Garcia .


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