|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O que Jane Austen diria a Charles Darwin
Moral implícita da literatura tem papel evolutivo nas sociedades modernas, sugere estudo de psicólogos
PRIYA SHETTY
DA "NEW SCIENTIST"
Por que o hábito de
contar histórias perdura através do tempo e das culturas?
Talvez a resposta
esteja em nossas raízes evolutivas. Um novo estudo sobre a
forma com que as pessoas reagem à literatura vitoriana sugere que os romances funcionam
como uma espécie de cimento
social, fortalcendo os tipos de
comportamentos que beneficiam as sociedades.
A literatura "pode condicionar a sociedade continuamente
de forma que lutemos contra
impulsos básicos e trabalhemos de forma mais cooperativa", afirma Jonathan Gottschall do Washington and Jefferson College, da Pensilvânia.
Gottschall e seu co-autor Joseph Carroll, da Universidade
do Missouri em Saint Louis, estudam como as teorias de evolução de Darwin se aplicam à literatura. Junto de John Johnson, psicólogo da Universidade
do Estado da Pensilvânia em
DuBois, os pesquisadores pediram a 500 pessoas que preenchessem um questionário sobre 200 romances clássicos vitorianos. Os voluntários tinham de definir os personagens como protagonistas ou
antagonistas. Depois, deveriam
descrever suas personalidades
e motivações, dizendo, por
exemplo, se eram conscienciosos ou sedentos por poder.
Elizabeth x Drácula
A equipe descobriu que os
personagens se encaixavam em
grupos que refletiam a dinâmica igualitária de sociedades de
caçadores-coletores, nas quais
a dominância de indivíduos era
suprimida em prol do bem geral. Os resultados do estudo estão na revista "Evolutionary
Psychology" (vol. 4, pág. 716).
Protagonistas como Elizabeth Bennett, de "Orgulho e
Preconceito", de Jane Austen,
tinham pontuação alta em concienciosidade e dedicação. Por
outro lado, antagonistas como
o conde Drácula, do livro de
Bram Stoker, pontuavam mais
como caçadores de status e em
dominância social.
Nos romances, o comportamento dominante é "poderosamente estigmatizado", afirma
Gottschall. "Os malvados e as
malvadas são apenas máquinas
de dominação; estão obcecados
por continuar prosseguindo
nisso, raramente têm comportamento pró-social."
Apesar de pouca gente no
mundo de hoje viver em sociedades de caçadores-coletores,
"a dinâmica política operante
nesses romances, ou seja, a
oposição básica entre comunitarismo e comportamento de
dominação, é um tema universal", afirma Carroll. Christopher Boehm, um antropólogo
cultural que Carrol reconhece
como importante influência
em seu estudo, concorda. "Democracias modernas, com sua
separação entre os poderes e
equilíbrio entre eles, estão promovendo um ideal igualitário."
Nas respostas dos voluntáriso às questões, poucos personagens eram julgados ao mesmo
tempo bons e maus, como
Heathcliff de "O Morro dos
Ventos Uivantes", de Emily
Brontë, ou o sr. Darcy, de "Orgulho e Preconceito". "Eles revelam a pressão que é exercida
sobre a manutenção da ordem
social total", afirma Carroll.
Lição de moral
Boehm e Carroll dizem crer
que os romances tenham o
mesmo efeito que os contos
com lição de moral das sociedades antigas. "Assim como os caçadores-coletores contavam
sobre trapaça e intimidação para manter as pessoas mobilizadas no objetivo de evitar que os
malvados vencessem, os romances nos direcionam para os
mesmos problemas", afirma
Boehm. "Eles têm uma função
que continua a contribuir para
a qualidade e para a estrutura
da vida em grupo."
"Talvez as narrativas -sejam
as da televisão ou as de contos
populares- sirvam na verdade
a uma função evolutiva específica", diz Gottschall. "Elas não
são apenas subprodutos da
adaptação evolutiva."
Tradução de Rafael Garcia .
Texto Anterior: +Marcelo Gleiser: Celebrando (o estudo d)a vida Próximo Texto: +Marcelo Leite: As cinzas de Drygalski Índice
|