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Nicotina só não explica vício, diz estudo
Cientista americana afirma que o alto poder do cigarro de causar dependência se deve a outras substâncias no tabaco
Descoberta, feita por meio
de imagem cerebral, explica
por que adesivos de nicotina
têm eficiência tão baixa no
tratamento do tabagismo
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A SAN FRANCISCO
Já está mais do que provado
que fumar cigarro faz (muito)
mal à saúde. Mas, se os cientistas quiserem descobrir por que
essa é uma das drogas com
maior poder de vício, será preciso desviar um pouco o foco do
suspeito de sempre: a nicotina.
A mudança de rumo nas pesquisas sobre a dependência do
tabaco está sendo sugerida por
novos trabalhos de imagem cerebral no Laboratório Nacional
Brookhaven (EUA). Lá a bioquímica Joanna Fowler desenvolveu uma maneira de mapear
o cérebro de pessoas para investigar a presença da monoamina oxidase (conhecida pela
sigla MAO), uma enzima vital
produzida pelo organismo.
Foi Fowler quem descobriu
que o fumo causa deficiência na
produção dessa substância, o
que leva ao acúmulo no cérebro
de outras moléculas responsáveis por fazer o organismo se
sentir "recompensado".
A monoamina oxidase é uma
espécie de "gari" do sistema
nervoso. Ela elimina neurotransmissores (substâncias que
transmitem impulsos nervosos) que não estão sendo usados. Quando a falta dela gera o
acúmulo despropositado da dopamina, um neurotransmissor
relacionado à satisfação, ela
cria um vínculo com o vício.
Na hora de fechar o cerco ao
criminoso que estava sabotando a monoamina oxidase, porém, Fowler se surpreendeu.
"Nossos estudos mostraram
que a inibição da monoamina
oxidase não é causada pela nicotina e sim por outras substâncias na folha do tabaco", disse Fowler anteontem, em palestra no encontro anual da
AAAS (Associação Americana
para o Avanço da Ciência), em
San Francisco (Califórnia).
A nicotina é um viciante poderoso, mas já havia sinais de
que não é o único. "É por isso
que tratamentos para dependentes com adesivos de nicotina não têm muita eficácia", diz.
Ainda será preciso fazer muitos estudos para descobrir qual
(ou quais) das centenas de
substâncias contidas no tabaco
é a responsável por inibir a monoamina oxidase. A pesquisa de
Fowler, porém, já está jogando
luz sobre um lado do vício que
era desconhecido.
Veneno antidepressivo
Outras substâncias que inibem a monoamina oxidase já
eram conhecidas e foram usadas como antidepressivos.
Eram drogas muito eficazes,
mas acabaram descartadas
porque podiam levar os pacientes à morte, (a monoamina oxidase é vital em diversas partes
do corpo). Segundo Fowler, o
cigarro não vai matar ninguém
dessa maneira, pois não é tão
forte como outros inibidores da
enzima, mas isso pode explicar
por que o número de fumantes
é tão grande em pacientes com
problemas psiquiátricos.
"Fumantes que estão deprimidos podem estar tentando se
automedicar", diz a pesquisadora. "A nicotina -que libera
transmissores que melhoram o
humor- e a inibição da monoamina oxidase -que reduz a taxa de destruição de neurotransmissores- simula os efeitos de antidepressivos."
A fonte da dependência da
droga, portanto, pode estar em
uma necessidade psiquiátrica
não-relacionada ao prazer imediato que ela proporciona. Isso
casa com os dados de Fowler.
"A inibição da monoamina
oxidase requer administração
crônica do cigarro" diz. Estudos em animais mostraram que
o efeito de redução dessa enzima não ocorre de forma abrupta após um único cigarro, e sim
de forma gradual ao longo de
longos períodos. "Mas o efeito é
persistente", diz.
Segundo Fowler, alguns grupos de pesquisa já estão tentando criar um medicamento não-tóxico que imite esse efeito do
cigarro. Dessa forma seria possível impedir pacientes em diferentes níveis de depressão de
tentar recorrer, inadvertidamente, à cura pelo veneno.
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