São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2007

Próximo Texto | Índice

Mosquito da dengue ganha genoma

Grupo internacional decifra DNA do "Aedes aegypti", em feito que revela alvos possíveis contra a doença

Ao longo da evolução, vírus e inseto aprenderam a conviver de forma pacífica; o primeiro deixou marcas genéticas no segundo

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante a próxima década, a genética poderá dar uma contribuição importante para o controle da dengue, doença que atinge mais de 50 milhões de pessoas no mundo. O DNA de seu transmissor, o mosquito Aedes aegypti, acaba de ser decifrado, em estudo publicado na revista científica "Science".
"Os caminhos estão abertos. Agora temos alguns alvos mais bem definidos" disse à Folha o médico Sergio Verjovski-Almeida, pesquisador do Instituto de Química da USP. Ele é um dos autores do artigo, assinado por dezenas de cientistas do Brasil e de outros países.
A primeira pista genética contra o Aedes está ligada à descoberta da existência de uma coleção de 64 proteínas responsáveis pelos mecanismos de transporte celular. Quando uma droga é aplicada contra o mosquito, as proteínas transportadoras salvam o inseto. Elas promovem uma espécie de desintoxicação das células, ao carregarem o veneno para fora delas.
"Entender como isso funciona é importante, por exemplo, para o desenvolvimento de um inseticida específico. Poderão ser feitas drogas eficientes e que não sejam eliminadas das células" imagina Verjowski.
O segundo caminho apontado pelo estudo surge a partir de todo o conjunto de 15.419 genes descoberto agora. Extensão, inclusive, que surpreendeu bastante os pesquisadores.
"Esse genoma é cinco vezes maior que o do Anopheles gambiae [inseto que transmite a malária]", compara o cientista.
Segundo Verjowski, os responsáveis por esse inchaço genômico são os chamados transpósons (segmentos repetitivos de DNA que ficam saltando entre os genes).
"Esses elementos nada mais são do que um tipo de vírus. Ou seja, durante a evolução, a fisiologia do mosquito se adaptou aos diferentes tipos de vírus, que acabaram se acumulando nesse genoma", explica.

Irmãos em armas
Para Verjowski, o genoma revela que o mosquito e o vírus aprenderam a conviver um com outro ao longo do tempo. "Essa é possivelmente uma das razões para explicar por que os dois vírus, o da dengue e o da febre amarela [também transmitido pelo A. aegypti], infectem o mosquito sem matá-lo e sem serem destruídos". Outro processo que, se bem compreendido, poderá ser útil ao homem.
O mesmo vale para a grande quantidade de proteínas relacionadas ao sistema olfativo do mosquito que foram encontradas pelos pesquisadores a partir do seqüenciamento. "Tudo que estiver envolvido com o mosquito e a sua relação com o ambiente é importante".
A montagem do genoma do mosquito da dengue demorou mais do que a do da malária, pela grande presença dos elementos repetitivos. "Vimos que 45% de todo o genoma é formado pelo transpósons."
Não é de hoje que Verjovski olha para o chamado "DNA-lixo", as partes do genoma que não contêm nenhum significado aparente, em busca de pistas sobre o funcionamento do organismo. "Se o organismo mantém isso é porque existe alguma função. Não é lixo", afirma o cientista.


Próximo Texto: Genes de inseto reforçam peso do "DNA-lixo"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.