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Marcelo Leite
Marina, crédito e descrédito
Ministra caiu
pelo que fez, não pelo que não quis ou não pôde fazer
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Muito já se escreveu sobre a
saída de Marina Silva do governo, quase sempre com
ênfase nas suas derrotas. Assentada a
poeira, começa a ficar claro que a ministra do Meio Ambiente caiu pelo
que fez, não pelo que não quis ou não
pôde fazer.
Qualquer pessoa que tenha lido um
bom livro sobre a Amazônia aprendeu
que na raiz dos problemas está a desordem fundiária. Aquela metade do
país que os brasileiros só sabem onde
fica porque está pintada de verde no
mapa é o paraíso da grilagem, da ocupação ilegal de terras públicas.
Quase ninguém tem título de propriedade regularizado. Em três recadastramentos rurais feitos no país
(1999, 2001 e 2004), documentos de
200.000 km2 de terras foram validados. Mas o cadastro de outros
200.000 km2 de imóveis foi cancelado,
a maior parte na Amazônia.
É instrutivo ler o que diz a organização não-governamental Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia) no estudo "Quem é Dono
da Amazônia". Isto, claro, se o leitor
tolerar que uma ONG de Belém receba dólares da Fundação Gordon &
Betty Moore.
"No fim de 2006 ainda estavam em
trâmite ou sem informação processos
referentes a 56 milhões de hectares
[cada milhão de hectares equivale a 10
mil km2, meio Sergipe] e havia 20,6
milhões de hectares de casos arquivados sem a verificação da documentação estadual apresentada pelos detentores dos imóveis", diz o documento.
"Mais de 40 milhões de hectares de
posses permaneciam irregulares",
prossegue o Imazon. "O governo federal conseguiu apenas iniciar um projeto-piloto para implantação do CNIR [Cadastro Nacional de Imóveis Rurais], incluindo somente o Maranhão
dos nove Estados da Amazônia Legal."
Muitas terras retomadas terminam
inseridas em novas unidades de conservação (UCs) federais, como parques e florestas nacionais, nas áreas
prioritárias para a biodiversidade
mais ameaçadas pela frente agrícola.
As UCs criadas na era Lula abrangeram mais de 230 mil km2, quase um
Estado de São Paulo. Somando as terras indígenas, um terço da Amazônia
já está interditado para grileiros.
Aí vem Marina Silva, em dezembro,
e divulga uma lista de 36 municípios
da Amazônia que mais desmatam. Em
janeiro, o governo federal bloqueia
autorizações para desmatamento em
todos eles (cada proprietário pode
derrubar, legalmente, até 20% de sua
área). Concentra aí o recadastramento fundiário e embarga a comercialização de produtos das propriedades
rurais irregulares.
Em fevereiro, vem o golpe mais duro. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional proíbe crédito de
bancos públicos e privados nos 550
municípios da Amazônia, a partir de
julho, a proprietários rurais que não
documentem licença ambiental do
imóvel rural, respeito à reserva legal e
CCIR (Certificado de Cadastro do
Imóvel Rural).
Era essa a conversa dos agrogovernadores com Lula, na reunião em que
o presidente humilhou a agora ex-ministra. Eles só pensam em desacreditar os dados do desmatamento, parar com essa história de "dar" terra para
índio e bicho, tirar seus municípios da
lista da devastação e reverter as medidas asfixiadoras.
Querem crer que, com Carlos Minc
associado a Dilma Rousseff, Reinhold
Stephanes e Roberto Mangabeira Unger, tudo será mais fácil. Não falta
quem esteja disposto a lhes dar crédito. A dívida será paga com o bom e velho capital natural do Brasil, ou seja, desmatamento.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas
Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia
(cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
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