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Marcelo Gleiser
Matéria elusiva
Cientistas tentam
achar partículas misteriosas há duas décadas
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Uma das revelações mais importantes da ciência moderna é
que somos feitos da mesma
matéria que as estrelas. Todos os átomos de carbono, ferro, oxigênio etc.
que compõem tudo o que existe têm a
mesma origem, forjados durante os
estágios finais da vida de estrelas.
São elas os grandes alquimistas cósmicos, capazes de transformar hidrogênio (o elemento químico mais simples e abundante no cosmo) em todos
os outros elementos químicos. Nossa
união com o Universo ocorre já ao nível mais fundamental: somos uma
química animada por pensamentos.
Mas existe outra revelação importante e ainda bem misteriosa da ciência moderna. Os átomos feitos nas estrelas são uma pequena parcela, 5%
aproximadamente, da matéria que
preenche o Universo. Os outros 95%
vêm em duas outras formas: 25% de
matéria escura e 70% de energia escura. Da energia escura sabemos pouco:
não é composta por partículas, como é
caso dos átomos, compostos de prótons, nêutrons e elétrons, e mesmo da
matéria escura.
É uma espécie de fluido, espalhado
igualmente por todo o espaço. Mas
ninguém sabe que fluido é esse; apenas que passou a dominar a evolução
do cosmo há alguns bilhões de anos,
causando uma inesperada aceleração
em sua expansão: a energia escura
atua como uma forma de antigravidade, aumentando cada vez mais as distâncias entre as galáxias.
A energia escura é uma descoberta
recente. Seus efeitos foram observados pela primeira vez em 1998, causando um verdadeiro furor na comunidade científica. Mas a matéria escura é bem mais antiga. Sua existência
foi conjecturada durante a década de
1930 pelo astrônomo Fritz Zwicky,
que trabalhava no Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech.
Zwicky estudava as propriedades de
grupos de galáxias agregados por sua
gravidade mútua. Medindo as velocidades das galáxias, Zwicky notou que
eram bem maiores do que se fossem
causadas pela matéria visível nelas.
Concluiu que existia matéria invisível
-a matéria escura- que, como já diz o
nome, não emite luz. Sua presença é
sentida através de sua massa, de seus
efeitos gravitacionais.
Medidas precisas da expansão cósmica e das propriedades das galáxias
mostram que a matéria escura também é formada por partículas. Só que
essas partículas são muito diferentes
das partículas dos átomos, constituindo um novo tipo de matéria.
É esse caráter exótico da matéria escura que a torna fascinante e, claro,
muito difícil de ser detectada. Durante as duas últimas décadas, vários grupos têm tentado achá-la.
Os experimentos mais promissores
procuram medir os efeitos de uma colisão entre uma partícula de matéria
escura e núcleos de matéria comum.
Por exemplo, cristais de germânio e
silício ou de iodeto de sódio.
Quando uma colisão ocorre, vibrações são sentidas no material, como
quando pedras de vários tamanhos
são jogadas numa piscina. Essas vibrações podem ser detectadas e a energia
da colisão medida. Com isso, é possível obter a massa da partícula de matéria escura.
Recentemente, um grupo na Itália
afirmou ter encontrado sinais promissores. Imediatamente, a comunidade científica se mobilizou, examinando o experimento e criticando os
seus resultados. Esse ceticismo é fundamental em ciência: descobertas importantes precisam ser confirmadas por grupos diferentes. A controvérsia
ainda não foi resolvida. Mas não há
dúvida de que a descoberta da matéria
escura terá um impacto enorme na
nossa compreensão do Universo e de
seus constituintes mais básicos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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