São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

Próximo Texto | Índice

GENÉTICA

Estudo de cientista português com DNA de jumentos de 52 países indica origens no norte ou no leste do continente

Africanos domesticaram asno duas vezes

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Raras evidências arqueológicas indicavam que jumentos e cavalos foram domesticados cerca de 5.000 anos atrás. Uma nova pesquisa, estudando o material genético de jumentos em 52 países do Velho Mundo -ou seja, Europa, Ásia e África-, concluiu que o evento ocorreu na realidade em dois momentos distintos na África, embora sem precisar onde, exatamente.
Domesticar o jumento e o cavalo foi um marco importante na história humana, pois a disponibilidade dos dois animais de carga e tração permitiu ao homem se movimentar com mais facilidade, facilitando tanto o comércio como a guerra. Comércio e guerra, por sua vez, moldaram fortemente a história humana desde seu começo.
O novo estudo, publicado em uma breve comunicação -de apenas uma página- na edição de hoje do periódico científico norte-americano "Science" (www.sciencemag.org), foi baseado no mtDNA, o DNA (material genético) das mitocôndrias, pequenos órgãos nas células que funcionam como suas usinas de energia e são excelentes registros da evolução biológica.
O DNA das mitocôndrias é menor do que o existente no núcleo das células, e, o que é importante principalmente para esse tipo de pesquisa, tem a peculiaridade de ser herdado da mãe em sua quase totalidade. Isso permite traçar uma árvore genealógica direta e sem misturas (que tornariam seu entendimento mais difícil).
O principal autor do estudo é o português Albano Beja Pereira, da Universidade do Porto, que trabalha hoje em Grenoble, França. Os dez autores do estudo pertencem a instituições da Europa, da África e dos EUA.
Deu muito trabalho para fazer o estudo. Para conseguir uma árvore genealógica bem representativa da história do jumento -ou asno, nome científico Equus asinus, também conhecido no Brasil como jegue-, foi preciso colher várias amostras de DNA em todo o Velho Mundo, nos locais em que o animal evoluiu. De preferência, em locais bem isolados, onde fossem menores as chances de mistura com animais de outras procedências.

Pele e fezes
"Amostras foram coletadas apenas de pequenas e remotas vilas no campo, tomando-se grande cuidado de não coletar de indivíduos aparentados", afirmaram os autores do estudo na "Science".
As amostras eram tanto da pele dos animais, como das suas fezes.
Outras espécies de jumento do mesmo gênero foram amostradas. Foram coletadas fezes de jumentos selvagens no Sudão da subespécie Equus africanus africanus, assim como de outros "primos" hoje no zoológico de Berlim da subespécie próxima Equus africanus somaliensis. Essas subespécies selvagens estão na lista de animais em risco de extinção.
A trabalheira dos pesquisadores europeus em busca de amostras de DNA também envolveu coletar fezes de asnos selvagens da Mongólia e da China (espécies Equus hemionus luteus e Equus kiang).
Os resultados sugerem, sem serem definitivos, que a domesticação do jumento pode ter ocorrido no norte da África ou na Somália, no leste do continente.
"Se ambas linhagens surgiram na África, isso sugere que o jumento é o único ungulado domesticado apenas na África", dizem os pesquisadores. Outros ungulados (mamíferos com cascos) importantes na história humana incluem o boi e o búfalo.
Mas a questão vai além disso, pois, lembram eles, a domesticação dos jumentos facilitou a expansão dos seres humanos da África para a Europa e a Ásia.


Próximo Texto: Neurobiologia: Pesquisadores revelam composto vital para a formação de memória
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.