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MEDICINA
Estudo explica por que algumas pessoas sofrem mais que outras, mesmo tendo passado pela mesma experiência
Gene faz relação entre depressão e estresse
MARCUS VINICIUS MARINHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Algumas pessoas que passam
por grandes perdas são muito
vulneráveis à depressão, enquanto outras conseguem lidar bem
com o acontecimento. Um grupo
de pesquisadores tem uma explicação para isso: a diferença pode
estar nos genes.
Cientistas americanos, britânicos e neozelandeses descobriram
um gene que coordena a relação
entre os eventos estressantes na
vida de uma pessoa e a ocorrência
de depressão.
O gene descoberto é conhecido
como 5-HTT (sigla em inglês para
transportador de 5-hidroxitriptamina humana) e pode vir em duas
versões, uma mais curta e outra
mais longa. Cada pessoa recebe
dois 5-HTT, um do pai e o outro
da mãe. Indivíduos com dois genes 5-HTT curtos têm mais tendência à depressão que pessoas
que têm genes 5-HTT longos,
mesmo tendo passado pelas mesmas experiências traumatizantes.
"É algo comparável com um
teste de densidade dos ossos: um
mau resultado pode dizer que você tem mais chances de fraturar a
bacia, mas o fato de isso acontecer
ou não vai depender de um fator
ambiental, como uma queda da
escada", diz à Folha a psicóloga
americana Terrie Moffitt, 46, da
Universidade de Wisconsin, que
integra o grupo de pesquisadores.
"Poderemos identificar pessoas
com maior possibilidade de desenvolver depressão se confrontadas com um fator ambiental, como uma perda na família." Da
mesma forma, a descoberta pode
ajudar a explicar por que as pessoas reagem de formas diferentes
a eventos como a traição, a demissão ou o fim de um namoro.
Diferença marcante
O estudo foi realizado na Nova
Zelândia, envolvendo 847 pessoas, que foram monitoradas do
nascimento à idade adulta. No período dos 21 aos 26 anos, foi feito
um levantamento dos eventos
"causadores de estresse" na vida
desses indivíduos, por meio de
entrevistas que compreendiam
fatores relacionados a problemas
de emprego, de moradia, de saúde, financeiros e emocionais, como perda de parentes, humilhações ou términos de relacionamentos duradouros.
Os indivíduos foram separados
em três grupos: pessoas com dois
genes 5-HTT curtos (configuração correspondente a 18% dos indivíduos estudados), com um
curto e um longo (51%) e com
dois longos (31%). Foram, então,
contabilizados todos os eventos
"causadores de estresse" e realizados exames para diagnosticar depressão nos participantes.
A diferença obtida no experimento entre os resultados de cada
grupo foi marcante: entre as pessoas que tiveram quatro ou mais
"eventos" entre os 21 e 26 anos,
por exemplo, 17% das pessoas
com dois genes longos desenvolveram sintomas de depressão, enquanto isso aconteceu em 43%
dos que possuíam dois genes curtos, ou seja, uma diferença de
mais de 150%.
Além disso, dados preliminares
do grupo indicam que pessoas
com dois genes curtos respondem
mais devagar à ação de medicação
antidepressiva.
Outro assunto abordado pelos
cientistas foi o abuso infantil. Na
amostra de 847 pessoas, 10% dos
participantes foram vítimas de
uma ou mais formas de maus-tratos na infância. Nos casos de pessoas com dois genes longos que
sofreram abuso infantil, a probabilidade de desenvolvimento de
depressão na idade adulta sobe de
30% para cerca de 65%.
Evidências
A principal motivação para a
realização da pesquisa, segundo
Moffitt, foi o fato de que outros
grupos mostraram a relação entre
um equivalente do 5-HTT presente em camundongos e o estresse: os animais com duas versões
curtas do gene tinham comportamento inseguro e níveis mais altos de um hormônio chamado
adrenocorticotropina, que serve
para medir o nível de estresse.
Apesar de fazer a ponte com a
espécie humana, o método desenvolvido pela equipe de Moffitt
ainda não está pronto para oferecer diagnósticos de tendência de
depressão. "Até que o experimento seja realizado em outras populações, não é seguro desenvolver
versões de diagnóstico genético
de tendência à depressão", diz.
A depressão afeta 121 milhões
de pessoas no mundo, segundo
dados da OMS (Organização
Mundial de Saúde). O estudo de
Moffitt está na edição de hoje da
revista científica "Science"
(www.sciencemag.org).
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