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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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MEDICINA

Estudo explica por que algumas pessoas sofrem mais que outras, mesmo tendo passado pela mesma experiência

Gene faz relação entre depressão e estresse

MARCUS VINICIUS MARINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Algumas pessoas que passam por grandes perdas são muito vulneráveis à depressão, enquanto outras conseguem lidar bem com o acontecimento. Um grupo de pesquisadores tem uma explicação para isso: a diferença pode estar nos genes.
Cientistas americanos, britânicos e neozelandeses descobriram um gene que coordena a relação entre os eventos estressantes na vida de uma pessoa e a ocorrência de depressão.
O gene descoberto é conhecido como 5-HTT (sigla em inglês para transportador de 5-hidroxitriptamina humana) e pode vir em duas versões, uma mais curta e outra mais longa. Cada pessoa recebe dois 5-HTT, um do pai e o outro da mãe. Indivíduos com dois genes 5-HTT curtos têm mais tendência à depressão que pessoas que têm genes 5-HTT longos, mesmo tendo passado pelas mesmas experiências traumatizantes.
"É algo comparável com um teste de densidade dos ossos: um mau resultado pode dizer que você tem mais chances de fraturar a bacia, mas o fato de isso acontecer ou não vai depender de um fator ambiental, como uma queda da escada", diz à Folha a psicóloga americana Terrie Moffitt, 46, da Universidade de Wisconsin, que integra o grupo de pesquisadores.
"Poderemos identificar pessoas com maior possibilidade de desenvolver depressão se confrontadas com um fator ambiental, como uma perda na família." Da mesma forma, a descoberta pode ajudar a explicar por que as pessoas reagem de formas diferentes a eventos como a traição, a demissão ou o fim de um namoro.

Diferença marcante
O estudo foi realizado na Nova Zelândia, envolvendo 847 pessoas, que foram monitoradas do nascimento à idade adulta. No período dos 21 aos 26 anos, foi feito um levantamento dos eventos "causadores de estresse" na vida desses indivíduos, por meio de entrevistas que compreendiam fatores relacionados a problemas de emprego, de moradia, de saúde, financeiros e emocionais, como perda de parentes, humilhações ou términos de relacionamentos duradouros.
Os indivíduos foram separados em três grupos: pessoas com dois genes 5-HTT curtos (configuração correspondente a 18% dos indivíduos estudados), com um curto e um longo (51%) e com dois longos (31%). Foram, então, contabilizados todos os eventos "causadores de estresse" e realizados exames para diagnosticar depressão nos participantes.
A diferença obtida no experimento entre os resultados de cada grupo foi marcante: entre as pessoas que tiveram quatro ou mais "eventos" entre os 21 e 26 anos, por exemplo, 17% das pessoas com dois genes longos desenvolveram sintomas de depressão, enquanto isso aconteceu em 43% dos que possuíam dois genes curtos, ou seja, uma diferença de mais de 150%.
Além disso, dados preliminares do grupo indicam que pessoas com dois genes curtos respondem mais devagar à ação de medicação antidepressiva.
Outro assunto abordado pelos cientistas foi o abuso infantil. Na amostra de 847 pessoas, 10% dos participantes foram vítimas de uma ou mais formas de maus-tratos na infância. Nos casos de pessoas com dois genes longos que sofreram abuso infantil, a probabilidade de desenvolvimento de depressão na idade adulta sobe de 30% para cerca de 65%.

Evidências
A principal motivação para a realização da pesquisa, segundo Moffitt, foi o fato de que outros grupos mostraram a relação entre um equivalente do 5-HTT presente em camundongos e o estresse: os animais com duas versões curtas do gene tinham comportamento inseguro e níveis mais altos de um hormônio chamado adrenocorticotropina, que serve para medir o nível de estresse.
Apesar de fazer a ponte com a espécie humana, o método desenvolvido pela equipe de Moffitt ainda não está pronto para oferecer diagnósticos de tendência de depressão. "Até que o experimento seja realizado em outras populações, não é seguro desenvolver versões de diagnóstico genético de tendência à depressão", diz.
A depressão afeta 121 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). O estudo de Moffitt está na edição de hoje da revista científica "Science" (www.sciencemag.org).


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