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ARTIGO
Fraude põe ética científica em questão
DONALD KENNEDY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Houve agora tempo suficiente
para examinar as descobertas do
Comitê Beasley, o grupo designado pelos Laboratórios Bell para
investigar as acusações de falsificação no trabalho de um grupo de
pesquisa que teve o dr. Hendrik
Schön como um dos coordenadores. O relatório analisa o trabalho
apresentado em 25 estudos por
Schön e várias combinações diferentes de 20 colegas.
A tarefa era um desafio monumental, e o comitê a enfrentou admiravelmente. Sua conclusão, de
que Schön é culpado de má conduta científica em múltiplas instâncias, é convincente. O comitê
também inocentou todos os co-autores de má conduta.
O que não resolve a questão, como eu descobri após passar vários
dias respondendo às perguntas
dos repórteres. O interesse público no caso é intenso: a pesquisa
foi um esforço internacional, envolvendo co-autores de (e laboratórios em) vários países, e os Bell
Labs tinham conquistado uma reputação de excelência. O trabalho
foi publicado em várias revistas
científicas -inclusive, proeminentemente, a "Science". Forte interesse dessa natureza levanta
questões difíceis, e nós tivemos a
nossa quota.
Quanto à resposta da "Science":
nós temos uma política permanente de que todos os autores de
um estudo estejam de acordo
com sua retratação. Esperamos
que os Bell Labs trabalhem com
Schön e seus co-autores para obter tais acordos para cada um dos
estudos questionados. Se, por alguma razão, retratações unânimes não forem possíveis, iremos
buscar outros meios para notificar a comunidade científica sobre
a situação dos estudos.
Perguntaram-nos se esse triste
incidente nos trouxe alguma dúvida sobre o quão bem o processo
de revisão por pares na "Science"
funciona. Todas as experiências
infelizes deveriam gerar esforços
para aprender delas, e usaremos o
relatório para avaliar se deveríamos ter agido diferentemente
nesses casos.
Dito isso, nós acreditamos
-como eu já disse em outras
ocasiões- que é pedir muito da
revisão por pares esperar que ela
nos imunize contra fraudes inteligentes. Alguns relatos noticiosos
citaram fontes científicas dizendo
que somos muito interessados em
estudos "luminosos" (sugerindo
que poderíamos ter estado ansiosos demais para publicá-los). Não
podemos lidar com essa acusação, exceto ao dizer que, quando
nossos revisores nos dizem que
um estudo é realmente importante, nós prestamos atenção a eles.
Há uma questão muito mais
importante do que essa. É uma
que o Comitê Beasley levantou,
mas deixou em aberto, após questionar se os co-autores exerceram
"responsabilidade profissional
apropriada" para garantir a validade das afirmações dos estudos.
Ao lidar com questões autorais
em vários papéis institucionais,
eu encontrei argumentos vigorosos em ambos os lados dessa
questão. Um diz que, dada a natureza interdisciplinar da ciência e a
co-participação de pessoas com
várias especialidades em um projeto, cada autor não pode ter a
obrigação de assumir responsabilidade pela validade dos resultados. Outro aponta que, como todos os co-autores recebem crédito profissional pelo produto inteiro, todos deveriam compartilhar
as consequências, no caso de ele
ser inválido.
É claro que o Comitê Beasley lutou honrosamente com esse problema. Mas sua dificuldade é bem
atestada por sua própria linguagem com respeito à conduta do
co-autor: "Não há implicação
aqui de má conduta científica; a
questão é de responsabilidade
profissional". Isso parece uma
distinção sem uma diferença: isso
é, afinal de contas, sobre ciência.
Como poderia uma clara falha de
"responsabilidade profissional"
em uma questão científica não
despertar a questão de má conduta científica?
A dificuldade que o comitê encontra nesse domínio reflete, como o relatório reconheceu, a ausência de um consenso da comunidade sobre a incômoda questão
da responsabilidade do co-autor.
É difícil encontrar um lado positivo na tempestade gerada pelo
caso Schön, mas seria bom se ele
servisse como um gatilho para
um exame reflexivo da questão. O
Comitê de Ética da Sociedade Física Americana está bem situado
para iniciar o processo, e a qualidade do Relatório Beasley fornece
bom material.
O Comitê disse que "não endossava a visão de que cada co-autor
fosse responsável pela completude do esforço colaborativo..."
Bem, não estão todos levando por
completo o crédito? E se os benefícios são gozados conjuntamente
e individualmente por todos os
autores, então não deveria a culpabilidade ser conjunta e individual também? A resposta precisa
vir na forma de uma decisão da
comunidade científica, que agora
precisa se fazer presente para a tarefa. Nós apoiaremos o consenso
que resultar disso.
Donald Kennedy é editor-chefe da revista "Science"
Este texto não é uma tradução oficial para o português produzida pela equipe da
"Science", nem é endossada pela "Science" como precisa. A tradução é em sua
totalidade responsabilidade da Folha.
Em questões cruciais, veja a versão oficial em inglês publicada na "Science"
Publicado com autorização, de "Science", vol. 298, 18.out.2002. Copyright
2002 - Associação Americana para o
Avanço da Ciência
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