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Usurpadores de trono
Biólogos americanos descobrem
que cupins
fazem guerra,
matam
reis e rainhas
e tomam
seu lugar
depois
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles entram em combate e conquistam território e recursos. Matam seus reis e rainhas e tomam seus lugares. Impedem soldados e trabalhadores de fazer sexo mas,
depois do regicídio, tomam o
lugar dos monarcas e passam a
se reproduzir. Tais comportamentos, muito humanos, são
típicos de uma espécie primitiva de cupim que está ajudando
a responder a um dos mistérios
da biologia que já intrigava
Charles Darwin (1809-1882), o
pai da teoria que explica a evolução dos seres vivos através da
seleção natural.
Ao reproduzir em laboratório as "batalhas" naturais entre
diferentes colônias de cupins e
analisar o resultado, a equipe
de Barbara L. Thorne, do Departamento de Entomologia da
Universidade de Maryland,
conseguiu mostrar como fatores ecológicos podem ter facilitado a origem da "eussocialidade" nos insetos sociais, a curiosa situação em que quase toda a
colônia de cupins, formigas ou
abelhas não faz sexo.
"Mais de 150 anos depois de
Charles Darwin ter publicado
"A Origem das Espécies", uma
das questões que ele reconheceu como uma constante dor-de-cabeça permanece sem solução: o que levou à evolução
de colônias de insetos altamente sociais, ou "eussociais'", disse
Thorne à Folha.
Uma primeira "aspirina"
nessa dor-de-cabeça foi receitada em 1964 pelo britânico
William Hamilton (1936-2000). Ele notou que um indivíduo pode ganhar um benefício indireto ao ajudar parentes.
Suas hipóteses ajudavam a explicar a presença desse comportamento em insetos himenópteros, como formigas, abelhas e vespas.
Esses bichos têm um sistema
genético original. São seres
"haplodiploides". Quando um
ovo e um espermatozoide se
juntam, sempre nasce uma fêmea. Quando um ovo não fertilizado se desenvolve sozinho,
surge um macho. A fêmea tem,
portanto o dobro de material
genético que o macho. Ela é diploide, ele é haploide.
Como argumentou Hamilton, as fêmeas estão geneticamente mais próximas das suas
irmãs do que de seus descendentes, e isso explicaria porque
esse sistema genético era comum nesse tipo de inseto.
Mas, como lembram Thorne
e mais quatro colegas em artigo
publicado na revista científica
"PNAS", a "eussocialidade"
também surgiu em seres diploides -o sistema genético
mais "normal", no qual se tem
uma cópia de cromossomo herdada do pai e outra da mãe. As
hipóteses de Hamilton não explicariam esses casos, que incluem espécies de besouro, camarão e até um mamífero, o rato-toupeira-pelado da África.
Thorne e colegas estudaram
os cupins da espécie Zootermopsis nevadensis. A espécie
compartilha características sociais, de desenvolvimento e de
habitat com cupins ancestrais.
"Ela é uma "espécie-modelo"
que provê uma janela para o
passado pela qual nós podemos
inferir as condições, 140 milhões de anos atrás, que levaram à evolução eussocial", afirma a pesquisadora.
A Z. nevadensis tem um comportamento original. Suas colônias vivem e se alimentam
em troncos de árvores e nunca
saem deles em busca de comida. Apenas as formas aladas e
férteis saem do tronco quando
vão em busca de parceiros para
criar novas colônias -sãos os
"príncipes" e "princesas" que
se tornarão jovens reis e rainhas. "Centenas de pares de
reis e rainhas começam colônias simultaneamente debaixo
da casca da mesma árvore ou
tronco em decomposição e
nunca saem de novo", escreveram os autores na "PNAS".
Isso cria condições ideais para conflito. Com as colônias em
crescimento, os recursos escasseiam e elas tendem a se encontrar. O resultado é guerra,
nas quais reis e rainhas morrem com frequência. Curiosamente, os sobreviventes formam uma nova colônia conjunta, sob comando de novos
monarcas derivados dos "plebeus" não reprodutores.
"Esse comportamento de
junção é intrigante, porque colônias vizinhas são tipicamente
não aparentadas", dizem os
pesquisadores.
Segundo Thorne, os resultados apoiam uma teoria que ela
propôs em 2003, a da "herança
acelerada". "Os filhos dos cupins ficam para ajudar no ninho dos pais porque a chance
de herdarem o "trono reprodutivo" é mais alta do que a chance de se dispersarem com sucesso, encontrarem um parceiro, sobreviverem para produzir
descendentes férteis, se eles
partissem para tentar estabelecer uma colônia própria."
Pista
O achado-chave dos pesquisadores foi justamente a circunstância ecológica de as colônias habitarem o mesmo tronco. "A carnificina cria oportunidades para os descendentes se
diferenciarem em formas reprodutivas", diz Thorne. Isso
vem de não existirem mais no
ambiente os hormônios sexuais produzidos pelos monarcas, que levavam à supressão do
desenvolvimento de órgãos sexuais da "plebe".
A maioria das mais de 3.000
espécies atuais de cupins sai em
busca de comida fora dos ninhos. Há menos oportunidade
de conflito, e o rei e a rainha ficam em "castelos" protegidos.
Mas a Zootermopsis nevadensis
dá uma ótima pista de como
pode ter se dado a evolução da
eussocialidade no passado distante dos animais.
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