São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Usurpadores de trono

Biólogos americanos descobrem que cupins fazem guerra, matam reis e rainhas e tomam seu lugar depois

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles entram em combate e conquistam território e recursos. Matam seus reis e rainhas e tomam seus lugares. Impedem soldados e trabalhadores de fazer sexo mas, depois do regicídio, tomam o lugar dos monarcas e passam a se reproduzir. Tais comportamentos, muito humanos, são típicos de uma espécie primitiva de cupim que está ajudando a responder a um dos mistérios da biologia que já intrigava Charles Darwin (1809-1882), o pai da teoria que explica a evolução dos seres vivos através da seleção natural.
Ao reproduzir em laboratório as "batalhas" naturais entre diferentes colônias de cupins e analisar o resultado, a equipe de Barbara L. Thorne, do Departamento de Entomologia da Universidade de Maryland, conseguiu mostrar como fatores ecológicos podem ter facilitado a origem da "eussocialidade" nos insetos sociais, a curiosa situação em que quase toda a colônia de cupins, formigas ou abelhas não faz sexo.
"Mais de 150 anos depois de Charles Darwin ter publicado "A Origem das Espécies", uma das questões que ele reconheceu como uma constante dor-de-cabeça permanece sem solução: o que levou à evolução de colônias de insetos altamente sociais, ou "eussociais'", disse Thorne à Folha.
Uma primeira "aspirina" nessa dor-de-cabeça foi receitada em 1964 pelo britânico William Hamilton (1936-2000). Ele notou que um indivíduo pode ganhar um benefício indireto ao ajudar parentes. Suas hipóteses ajudavam a explicar a presença desse comportamento em insetos himenópteros, como formigas, abelhas e vespas.
Esses bichos têm um sistema genético original. São seres "haplodiploides". Quando um ovo e um espermatozoide se juntam, sempre nasce uma fêmea. Quando um ovo não fertilizado se desenvolve sozinho, surge um macho. A fêmea tem, portanto o dobro de material genético que o macho. Ela é diploide, ele é haploide.
Como argumentou Hamilton, as fêmeas estão geneticamente mais próximas das suas irmãs do que de seus descendentes, e isso explicaria porque esse sistema genético era comum nesse tipo de inseto.
Mas, como lembram Thorne e mais quatro colegas em artigo publicado na revista científica "PNAS", a "eussocialidade" também surgiu em seres diploides -o sistema genético mais "normal", no qual se tem uma cópia de cromossomo herdada do pai e outra da mãe. As hipóteses de Hamilton não explicariam esses casos, que incluem espécies de besouro, camarão e até um mamífero, o rato-toupeira-pelado da África.
Thorne e colegas estudaram os cupins da espécie Zootermopsis nevadensis. A espécie compartilha características sociais, de desenvolvimento e de habitat com cupins ancestrais. "Ela é uma "espécie-modelo" que provê uma janela para o passado pela qual nós podemos inferir as condições, 140 milhões de anos atrás, que levaram à evolução eussocial", afirma a pesquisadora.
A Z. nevadensis tem um comportamento original. Suas colônias vivem e se alimentam em troncos de árvores e nunca saem deles em busca de comida. Apenas as formas aladas e férteis saem do tronco quando vão em busca de parceiros para criar novas colônias -sãos os "príncipes" e "princesas" que se tornarão jovens reis e rainhas. "Centenas de pares de reis e rainhas começam colônias simultaneamente debaixo da casca da mesma árvore ou tronco em decomposição e nunca saem de novo", escreveram os autores na "PNAS".
Isso cria condições ideais para conflito. Com as colônias em crescimento, os recursos escasseiam e elas tendem a se encontrar. O resultado é guerra, nas quais reis e rainhas morrem com frequência. Curiosamente, os sobreviventes formam uma nova colônia conjunta, sob comando de novos monarcas derivados dos "plebeus" não reprodutores.
"Esse comportamento de junção é intrigante, porque colônias vizinhas são tipicamente não aparentadas", dizem os pesquisadores.
Segundo Thorne, os resultados apoiam uma teoria que ela propôs em 2003, a da "herança acelerada". "Os filhos dos cupins ficam para ajudar no ninho dos pais porque a chance de herdarem o "trono reprodutivo" é mais alta do que a chance de se dispersarem com sucesso, encontrarem um parceiro, sobreviverem para produzir descendentes férteis, se eles partissem para tentar estabelecer uma colônia própria."

Pista
O achado-chave dos pesquisadores foi justamente a circunstância ecológica de as colônias habitarem o mesmo tronco. "A carnificina cria oportunidades para os descendentes se diferenciarem em formas reprodutivas", diz Thorne. Isso vem de não existirem mais no ambiente os hormônios sexuais produzidos pelos monarcas, que levavam à supressão do desenvolvimento de órgãos sexuais da "plebe".
A maioria das mais de 3.000 espécies atuais de cupins sai em busca de comida fora dos ninhos. Há menos oportunidade de conflito, e o rei e a rainha ficam em "castelos" protegidos. Mas a Zootermopsis nevadensis dá uma ótima pista de como pode ter se dado a evolução da eussocialidade no passado distante dos animais.


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