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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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ANTROPOLOGIA

Novo estudo indica que influência genética de espécie extinta no homem moderno foi zero ou muito pequena

DNA afasta união de sapiens e neandertal

Divulgação/PNAS
Crânio de humano moderno (à esquerda) comparado a fóssil de neandertal descoberto na Europa


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Afinal, fizeram sexo ou não fizeram? Tiveram ou não tiveram descendentes? Essas perguntas indiscretas constituem uma das maiores dúvidas dos estudiosos das origens do ser humano. Agora, surge mais uma pista na busca de uma resposta -desta vez, negando que teria havido cruzamentos na pré-história entre os humanos anatomicamente modernos e seus parentes mais próximos, hoje extintos.
Os antigos homens de neandertal não se reproduziram com populações do homem anatomicamente moderno, segundo um estudo de onze pesquisadores europeus publicado na última edição da revista da academia de ciências norte-americana, a "Proceedings of the National Academy of Sciences" (www.pnas.org)
Eles se basearam na comparação do material genético (o DNA, ácido desoxirribonucléico) de dois cro-magnons, nome dado a homens pré-históricos achados na Europa que já mostram uma anatomia semelhante à dos seres humanos de hoje. O DNA desses cro-magnons foi comparado com sequências já conhecidas de neandertais e de humanos atuais.
Foram analisadas sequências de DNA de mitocôndrias, organelas celulares que preservam material genético. O chamado DNA mitocondrial é uma ferramenta bastante usada em estudos desse tipo, porque escapa do embaralhamento genético que ocorre na fecundação. Isso faz com que ele se torne uma boa "etiqueta" para diferenciar populações.
"Na verdade, é mais fácil extrair o DNA mitocondrial de ossos velhos, porque existem muito mais cópias dele do que de DNA do núcleo celular", disse à Folha um dos autores da pesquisa, Giorgio Bertorelle, da Universidade de Ferrara, na Itália. Os testes foram feitos com ossos de dois indivíduos de 23 mil e 25 mil anos atrás.

Primeiros europeus
Neanderthal é o nome de um vale na Alemanha onde foram achados, no século 19, os primeiros fósseis desse antigo hominídeo que viveu entre 120 mil e 28 mil anos atrás e foi extinto -aparentemente por guerra ou competição por recursos com os homens modernos, que saíram da África para colonizar a Europa por volta de 60 mil anos atrás.
Mas está longe de terminar o debate sobre se essa substituição de populações foi total -ou seja, todos os neandertais morreram- ou se houve uma absorção dos neandertais pelas populações de Homo sapiens -no caso, o DNA dos neandertais teria contribuído para a formação das populações européias modernas.
Defensores da hipótese "sim, houve sexo" argumentam que análises dos crânios mostram uma maior afinidade dos neandertais com os europeus de hoje do que com outras populações atuais. Fósseis desse hominídeo foram achados principalmente na Europa e no Oriente Médio.
Para essa escola, para converter um neandertal em um humano moderno bastaria uma redução do tamanho dos dentes e da robustez do corpo. Apesar da sua testa protuberante, um neandertal bem vestido não chamaria atenção na fila do cinema.
Os dados disponíveis não são suficientes para dizer de forma conclusiva se o cro-magnon e o neandertal se misturaram ou não, mas são suficientes para dizer que a mistura genética "foi zero ou muito pequena", afirma o pesquisador italiano.
"Nós não estamos debatendo o grau de divergência entre neandertais e humanos modernos. Essa é uma outra questão. O que nossos resultados sugerem é que a evidência genética favorece a hipótese de que os neandertais foram substituídos pelos humanos modernos. Todos os humanos modernos, contemporâneos e desde 25 mil anos atrás, são geneticamente semelhantes e claramente distintos dos neandertais", continua Bertorelle.
Estudos de DNA mitocondrial feitos por pesquisadores da Alemanha no final dos anos 90 já haviam demonstrado que neandertais e humanos modernos eram espécies distintas.
Mas, apesar disso, a polêmica sobre os cruzamentos não pára de esquentar. No começo deste ano, um livro publicado por um grupo internacional de pesquisadores afirmou que um esqueleto de criança encontrado no vale de Lapedo, em Portugal, representa um híbrido sapiens-neandertal -uma união que teria durado milênios naquela região.
Para o arqueólogo português João Zilhão, que encontrou o fóssil, tudo o que o DNA mitocondrial revela é que não há genes de neandertal nas mitocôndrias. Segundo ele, isso "não diz nada" sobre a história das populações.



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