São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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BIOLOGIA

Estudo da UFRJ constrói "mapa proteômico" do vibrião da doença, que pode elucidar o surgimento das epidemias

Proteínas ajudam país a desvendar cólera

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O Brasil acaba de dar um passo importante no combate ao vibrião da cólera. Por meio da análise das proteínas existentes nessa bactéria, cientistas da UFRJ dizem ser possível aumentar o grau de entendimento sobre o assunto e entender, por exemplo, como e por que surgem no mundo as epidemias da doença, que afeta cerca de 150 mil pessoas por ano.
Um rascunho do proteoma -espécie de "genoma" onde, em vez de genes, as proteínas é que são estudadas- da bactéria Vibrio cholerae, o agente da cólera, foi feito pela equipe de Ana Maria Abrantes Coelho, do Instituto de Biologia da universidade fluminense. Sua equipe identificou 94 proteínas vitais para o organismo -regulam os ciclos energéticos da célula e o transporte de produtos para dentro da mesma, entre outros.
Embora o vibrião tenha cerca de 3.800 proteínas no total, esse é o maior estudo proteômico já feito sobre o vibrião. A pesquisa foi relatada na reunião anual da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, que acabou ontem em Caxambu (MG), e publicada na edição de maio da revista Proteomics (www.wiley-vch.de/publish/en/journals/
alphabeticIndex/2120/
).
"A pesquisa das proteínas é vital para entender como funciona o organismo e como ele causa uma doença no homem", diz Ana Maria Coelho, 54, à Folha. A biofísica identificou as proteínas construindo um "mapa" bidimensional das proteínas do vibrião: ao colocá-las em um gel e estimular a passagem de corrente elétrica, ela espalhou as proteínas na superfície segundo duas propriedades, pH (grau de acidez) e tamanho, facilitando a caracterização.
A linhagem da bactéria da cólera utilizada, chamada de "El Tor", foi responsável pela última grande epidemia da doença, que assolou o mundo a partir da década de 60 e o Brasil entre 1991 e 1995.
Desde a última epidemia no país, diz a pesquisadora, seu grupo tenta elucidar o funcionamento da doença -mais comumente contraída através da ingestão de água ou comida contaminada- e o mecanismo de surgimento das epidemias, que se espalham rapidamente. O "mapa proteômico" seria uma das maneiras de fazê-lo.
"A epidemia parece surgir do nada. Ninguém sabe exatamente por que ela de repente aparece e se espalha. Pra ser sincera, a gente não sabe nem dizer como a epidemia acabou no Brasil em 1995. Provavelmente o mar deixou de ser propício para a bactéria naquele momento específico", diz.
Segundo a pesquisadora, o trabalho de identificação das proteínas foi simplificado, já que o genoma do Vibrio cholerae já havia sido seqüenciado. "Ficou bem mais fácil. A proteína já é jogada direto no banco de dados. Em outros casos dá bem mais trabalho."
A solução dos problemas da cólera, no entanto, não é a única aplicação do estudo do grupo da biofísica sobre o vibrião. Segundo a pesquisadora, pode haver interesse na área da biotecnologia. "Essas bactérias produzem quitina, um biopolímero com ótimo potencial para uso industrial", diz. O conhecimento do funcionamento das proteínas, diz, pode facilitar a manipulação comercial desses microorganismos.
O projeto da equipe faz parte do chamado Programa Proteoma do Rio de Janeiro, que envolve seis laboratórios de pesquisa em universidades fluminenses e é patrocinado pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).


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