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Ralação sustentável
Depois de perceberem que desmatar dá prejuízo,
populações da Amazônia penam para descobrir
como sobreviver sem exaurir a floresta
GIOVANA GIRARDI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO NEGRO (AM)
Não temos como lutar contra as pessoas que estão desmatando. Então se
eles cortam, nós
plantamos, protegemos a floresta e vivemos da madeira
descartada." Com essa frase
Miguel Rocha, 67, explica o lema da ONG Almerinda Malaquias, que ele coordena em Novo Airão, município de cerca de
7.000 habitantes a 200 quilômetros de Manaus.
Em 12 anos de atividade, Rocha e sua família conseguiram
mostrar à população que vive à
beira do rio Negro naquele local que há meios de lucrar com
a floresta em pé. Os habitantes
que compraram a idéia aprenderam a transformar galhos
que caem das árvores e tocos
que sobram da atividade das
madeireiras em artesanato.
Pelo menos 60 pessoas trabalham lá talhando sapos, peixes-bois, pirarucus, macacos e
onças. "Tiramos da mata gente
que estava cortando árvore, recebendo por mil pedaços de
madeira apenas R$ 80", conta.
"Hoje, com uma tábua pequena, que ia virar fumaça, eles fazem cinco muiraquitãs [amuletos indígenas em forma de sapo] e ganham R$ 25."
O desempenho obtido por
essa comunidade -que entendeu a necessidade de aprender
um novo ofício- está longe, no
entanto, de ser praxe na Amazônia. Conversas com ribeirinhos "catequizados" por ambientalistas e pela própria experiência mostram que muitos
já entenderam que a longo prazo derrubar a floresta lhes traz
mais malefícios que benefícios,
mas eles ainda estão descobrindo como sobreviver de outras formas.
Grupos inseridos em reservas extrativistas ou em trabalhos de ONGs têm uma opção,
mas, quando a entidade vai embora, é comum sucumbirem. Já
os que estão sozinhos tendem a
viver de subsistência, por meio
da caça, pesca e plantação de
mandioca. O que não produzem, trocam com os vizinhos.
Parece suficiente, e pode-se
dizer que eles vivem razoavelmente bem, mas essa é a saída?
O desafio do tal desenvolvimento sustentável se mostra
muito maior quando a população amazônida é vista de perto.
A poucos quilômetros de Novo Airão, já nas margens do rio
Cuieiras, vivem comunidades
que ainda estão engatinhando
nesse processo. São, por exemplo, indígenas que só agora estão aprendendo formas sustentáveis de cultivar mandioca e
mel e outros que, depois de caírem no conto da ONG pilantra,
descobriram uma maneira de
se sustentar com turismo.
"Faz um tempo, tentamos
criar galinhas. Trouxeram um
monte de pintinho e falaram
pra gente cuidar. Cuidamos,
mas quando a ONG foi embora
não tínhamos mais ração. Morreram todos", conta Jualison
Garrido Melo, 23, da tribo baré.
Hoje a comunidade Nova Esperança faz bijuterias de sementes e vende para turistas,
com o apoio do IPÊ (Instituto
de Pesquisas Ecológicas), que
busca capacitar os moradores
para que eles consigam se manter quando estiverem sozinhos.
Perto dali, a família de "seu"
Praxedes, outro índio baré,
também tem tido aulas com o
IPÊ. Ele aprendeu a manejar a
plantação de mandioca de modo a preservar o solo -alternando o cultivo da raiz com o
de árvores frutíferas para mantê-lo produtivo- e criar abelhas sem ferrão para produzir
mel. Na região as famílias haviam abandonado o roçado para desmatar e puseram em risco sua segurança alimentar, já
que a farinha é uma das únicas
fontes de carboidrato. A produção, no entanto, é suficiente
apenas para ele, filha e netos.
Ilusão de um paraíso
Especialistas em desenvolvimento sustentável lembram
que as atividades que dão certo
ainda são poucas na Amazônia.
Famílias que vivem da agricultura de subsistência, da pesca
artesanal, do extrativismo ou
do corte de madeira permanecem a maioria.
"Ninguém pode defender de
modo absoluto que essas pessoas estão vivendo como se tivessem atingido o paraíso", comenta o climatologista Carlos
Nobre, que assessora o PPG7
(Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do
Brasil). "É uma idéia que ainda
está muito restrita à academia,
mas nós cientistas defendemos
a necessidade de haver uma revolução científica e tecnológica
na Amazônia. É preciso encontrar o equilíbrio para que a população consiga desenvolver
atividades mais rentáveis", diz.
"O desafio é fazer com que
essas comunidades atinjam um
IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] aceitável",
complementa o biólogo Charles Clement, do Inpa (Instituto
de Pesquisas da Amazônia).
"Precisamos treinar e capacitar
essas pessoas para que elas
aprendam a interagir de modo
eficiente com o mercado."
A repórter viajou a convite da WWF e da Nissan
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