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+ Marcelo Gleiser
Enxergando mentiras
Quando se trata
da mente humana,
não existe uma
fórmula perfeita para
detectar fraudes
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Detectar mentiras não é nada fácil. Há pessoas capazes de
mentir com tanta tranqüilidade que é essencialmente impossível
saber se elas dizem a verdade ou não.
Não é à toa que o sistema legal criou o
júri; a esperança é que enganar a muitos seja mais difícil do que a um só. Só
para garantir, nos EUA ainda se faz
um juramento no início, no qual o
acusado e as testemunhas juram, com
a mão sobre a Bíblia, dizer "a verdade
e nada mais do que a verdade".
Até parece que os poderes de punição divina surtem o mesmo efeito hoje que surtiam, digamos, há 200 anos.
Qual mentiroso tem medo do diabo?
Num julgamento em que o acusado se
proclama inocente, alguém não está
dizendo a verdade. Ou o réu mente ou
o promotor cria um caso baseado em
provas insuficientes. Como decidir?
O sistema judicial funciona, bem ou
mal, há séculos. Sem dúvida, muitos
inocentes foram condenados e muitos
culpados foram absolvidos. Quando se
trata da mente humana, não existe
uma fórmula perfeita. Detectores de
mentiras, máquinas sensíveis a certos
sinais metabólicos ligados ao estresse,
como o suor ou o fluxo sangüíneo,
funcionam, segundo os que defendem
o seu uso, com 90% de eficiência. Ou
seja, uma a cada dez pessoas pode ter
sua vida arruinada pelo teste.
Durante a última década, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para pegar os mentirosos no flagra. Duas delas, análise de estresse na voz e imagem térmica do rosto, têm resultados
relativamente promissores. Mas a
mais espetacular é a fMRI, sigla em inglês para Imageamento por Ressonância Magnética Funcional.
Diferentemente das outras técnicas
usadas até agora, que buscam sinais
externos, a fMRI vê a mente internamente, captando em imagens dinâmicas as áreas do cérebro que mostram
maior atividade. Para que os neurônios em uma determinada região do
cérebro funcionem, o sistema vascular cerebral proporciona um aumento
da circulação sangüínea naquele local.
O aumento da quantidade de sangue
oxigenado em uma região do cérebro
indica atividade. Devido ao ferro, o
sangue oxigenado tem propriedades
magnéticas diferentes sendo, portanto, passível de detecção. A fMRI é um
detector de atividade magnética no
cérebro, acusando as regiões com
maior oxigenação. Ela vê, através de
uma seqüência de imagens, a mente
em funcionamento.
Por trás do uso da técnica está a suposição de que mentir é mais difícil do
que dizer a verdade. Esse maior esforço cognitivo é acusado na fMRI por
um aumento de oxigenação em determinadas áreas do cérebro. O interessante é que, um estudo conduzido por
Daniel Langleben, da Universidade da
Pensilvânia (EUA), determinou onde
o cérebro processa as mentiras. O teste pedia que pessoas fizessem três declarações verdadeiras e três falsas.
Quando as declarações eram falsas,
havia um aumento significativo de atividade em três áreas distintas do córtex cerebral, a área ligada à cognição.
A indústria da detecção de mentiras
cresce rapidamente. Nos EUA, uma
companhia recebe dezenas de clientes
por semana; homens acusados de abuso sexual de seus filhos, mulheres
querendo provar sua inocência aos
seus maridos e namorados ciumentos,
até governos da China e de países da
África querendo pegar dissidentes.
Existem ainda sérias dúvidas com relação ao uso da fMRI para detectar
mentiras. O teste está longe de ser
100% eficiente. As implicações éticas
são enormes. Mas, se superadas essas
dificuldades, os mentirosos que se
cuidem. Seus dias estão contados.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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