São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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No país dos quarks

Como o experimento Alice, com participação de brasileiros, vai investigar o estado da matéria no instante após o Big Bang

Jordi Boixader/Cern/Reprodução
História em quadrinhos publicada pelo laboratório Cern alude à obra de Lewis Carroll; paródia mostra personagem caindo dentro de acelerador de partículas


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

U m grupo de brasileiros está desde o ano passado trabalhando numa colaboração internacional de cientistas que pode construir um roteiro inusitado para o futuro da física. O experimento Alice, que será conduzido no LHC -o maior acelerador de partículas do mundo- pretende reproduzir o estado da matéria que existia logo após o Big Bang, a explosão que originou o Universo.
A maneira pela qual isso será feito não difere muito daquela com que os físicos vem fazendo já há várias décadas: acelerar partículas usando imãs dentro de um túnel gigantesco e depois fazê-las colidirem. Ao quebrar átomos e seus subcomponentes, é possível ver aquilo que compõe a matéria, a energia, e a natureza mais fundamental da realidade.
No LHC, porém, construído num túnel circular de 27 km na fronteira da França com a Suíça, a escala de tudo será muito maior. A força das colisões, fator crucial no experimento, será sem precedentes. O Alice (Um Grande Experimento de Colisor de Íons, sigla elaborada em inglês) será baseado num um dos quatro detectores de partículas do LHC.
O novo acelerador de partículas, a ser inaugurado em novembro, é a máquina mais poderosa já construída na história da humanidade. Com habilidade de fazer átomos de chumbo colidirem com energia de 1.150 TeV. É muita energia. Com esse poder, os físicos esperam poder investigar com mais detalhes as propriedades exibidas pela matéria no instante após o Big Bang, quando tudo o que existe estava confinado num espaço ínfimo.
Naquele momento, a matéria não estava organizada na forma sólida, líquida ou gasosa, como as coisas aqui na Terra. Na verdade, ainda não existiam nem os prótons e nêutrons, partículas que hoje compõem os núcleos dos átomos.
Tudo estava fragmentado na forma de quarks e glúons, componentes mais fundamentais da matéria, mas que hoje não existem mais de maneira separada. É o que os físicos chamam de "plasma de quarks e glúons". Com a velocidade com que essas partículas se deslocavam logo após o Big Bang, a força de atração que existia entre elas não era suficiente para que elas se "colassem" para formar prótons, átomos, moléculas, e as coisas que vemos hoje.
O grupo de brasileiros que participa do Alice já integrou um experimento no acelerador RHIC, em Long Island (EUA). De lá é que veio a melhor prova de que o plasma de quarks e glúons de fato existiu -e pode ser fabricado artificialmente.
"Mas a energia do LHC é da ordem de 30 vezes a do RHIC", explica o físico Jun Takahashi, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que participa dos dois projetos. "Lá, teremos bem mais precisão para estudar essas características do plasma de quarks e glúons."

Big Splash
Uma das prováveis contribuições do trabalho do grupo será a de ajudar cosmólogos que fazem simulações de computador para entender o nascimento e a evolução do Universo. O experimento do RHIC, por exemplo, já mostrou que há diferença em relação àquilo que se esperava.
"A gente esperava que o plasma de quarks e glúons fosse se comportar de maneira similar à de um gás, mas descobrimos que ele se organiza mais como um líquido", diz Takahashi. Será que o Big Bang foi, na verdade, um Big Splash? "Para saber conseqüência disso nos modelos cosmológicos é preciso ainda anos de estudo."
Na opinião do físico da Unicamp, contudo, a contribuição maior do Alice não será para a cosmologia, e sim para o Modelo Padrão, o sistema de teorias que melhor explica a organização da matéria e da energia.
Mesmo sendo a teoria mais poderosa e abrangente da física, o Modelo Padrão ainda não consegue explicar, por exemplo, a força gravitacional. Também nunca foi detectada uma partícula que confere massa (e peso) às coisas, mas os físicos põem fé no LHC na esperança de avançar mais um pouco.
O que mais gera fascínio porém, talvez seja a possibilidade de sair uma observação imprevisível do acelerador de partículas. "Não dá para saber tudo o que vai acontecer, e sempre podem aparecer físicas novas, como a da matéria escura [que não interage com luz]", diz Takahashi. "O grande motor disso tudo é ir para o desconhecido."


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