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+ Marcelo Leite
Guerra de milho
"A coexistência entre cultivos GM e não-GM ainda está para ser implementada"
N
a semana em que fundamentalistas pró-transgênicos soltam rojões pela aprovação do
plantio comercial da primeira variedade de milho geneticamente modificado ("GM", para facilitar) no Brasil,
nada como ouvir uma voz ponderada.
Aqui vai a de Eliana Fontes, pesquisadora de quatro costados da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária).
"Uma iniciativa mais ampla para
promover a coexistência entre cultivos GM e não-GM ainda está para ser
implementada", escreveu Fontes no
artigo "Mistura saudável", publicado
no portal sobre ciência e desenvolvimento SciDev.Net (www.scidev.net/
coexistence).
Referindo-se ao Brasil, prossegue:
"Tal iniciativa requererá considerável
planejamento e coordenação, assim
como infra-estrutura. Mas é improvável que chegue logo. (...) Nem está claro, no quadro de biossegurança do
país, qual órgão regulador deveria assumir a liderança no estabelecimento
de um esquema de coexistência".
Não tivesse Fontes sido membro
(1997-1999) da CTNBio -aquela comissão de biossegurança que é técnica
antes de ser nacional-, um integrante
atual da maioria pró-GM poderia concluir serem essas as palavras de um
fundamentalista do campo oposto.
Afinal, sua ponderação representa o
tipo de argumento que membros do
Ministério Público e de organizações
ambientalistas costumam levantar
contra o que consideram ser o papel
de mero homologador da CTNBio.
Tome-se o caso do milho transgênico aprovado, da variedade Liberty
Link (modificado para adquirir resistência ao herbicida glufosinato de
amônia, de modo que o defensivo possa ser usado na lavoura sem matar a
própria). Pés de milho espalham seu
pólen com o vento, podendo fertilizar
plantas próximas, GM ou não. Vegetais são para lá de promíscuos.
Se houver um campo de milho orgânico na vizinhança, a contaminação é
previsível, assim como o prejuízo do
agricultor. Nenhum consumidor disposto a pagar um prêmio pelo produto
que lhe parece mais "natural" aceitará
fazê-lo para ingerir algo tão estigmatizado quanto os "transgênicos". O
mesmo pode valer para milho convencional, se o comprador fizer questão
de suprimento não-GM.
Para isso existem medidas de contenção, como distância mínima entre
campos transgênicos e convencionais.
A separação também pode ser temporal, ou seja, um intervalo mínimo entre a substituição de um cultivo por
outro, para evitar que sementes sobrantes no solo germinem em meio a
outras. E também é preciso haver segregação no armazenamento e no
transporte. Coexistência, enfim.
Medidas como essas podem até estar em desenvolvimento ou aplicação
no Brasil, mas seguramente não aparecem no debate público. Se houvesse
certeza em relação a elas, decerto a
imagem dos transgênicos seria melhor. Seus partidários, contudo, nunca
se preocuparam em convencer as pessoas de que merecem confiança mais
pelo que fazem do que pelo que são
("técnicos", "autoridades").
Outro exemplo abordado por Fontes no artigo é o do algodão GM já licenciado no país. A Embrapa organizou em 2005 uma oficina de análise
de riscos, que resultou num plano de
ação para proteger variedades locais
de eventual contaminação. Quem viu?
Num país onde toneladas de sementes GM clandestinas atravessaram as
fronteiras e foram ilegalmente plantadas durante anos a fio (para não falar
de bois com febre aftosa...), não é de
todo maluco supor que tal plano fique
só no papel.
MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência
em Dia (www.cienciaemdia.zip.net)
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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