São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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Britânicos buscam pedido de desculpas a cientista gay

Petição enviada a premiê exige retratação póstuma a Alan Turing, pai da ciência da computação, punido por homossexualismo

Divulgação
O matemático Alan Turing, pioneiro da computação

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

Uma petição enviada ao premiê Gordon Brown que já computa quase 4.000 assinaturas em duas semanas exige que o governo britânico reabilite a memória de um dos mais importantes cientistas do país e se desculpe por tê-lo submetido a um tratamento hormonal que acabou por levá-lo ao suicídio.
O matemático Alan Turing, morto em 1954 aos 41 anos, é considerado por muitos o pai da ciência da computação e da inteligência artificial. Ainda nos anos 1930, provou que não há instrumento capaz de fazer qualquer tipo de cálculo e lançou o conceito de uma máquina que conseguisse fazer todos aqueles que fossem possíveis, seguindo instruções humanas.
Em 1938, Turing foi recrutado pelo departamento de análise criptográfica do governo. No ano seguinte, quando estourou a Segunda Guerra Mundial, ele passou a dedicar-se integralmente ao projeto, conduzido secretamente na mansão de Bletchley Park, em Bucking-hamshire, perto de Londres.
Foi Turing que conseguiu decifrar o código da máquina de criptografia Enigma, que a Alemanha de Hitler usava para mandar mensagens militares cifradas durante a guerra. Graças ao sistema de decodificação que ele criou, o Reino Unido passou a interceptar as mensagens e localizar os submarinos alemães, atacando-os e revertendo o avançar da guerra.
Mas seu trabalho era secreto, e os feitos de Turing passaram sem aclamação na época.
"Alan Turing foi o maior cientista da computação já nascido no Reino Unido", diz o texto da petição, que ficará aberta para assinaturas no site do governo até janeiro de 2010 (só cidadãos britânicos podem assinar). "Ele era também gay", prossegue o texto.
Em 1952, quando o matemático foi preso, ser homossexual era crime. A alternativa à prisão era a castração química -e Turing aceitou receber injeções de estrógeno para neutralizar sua libido. Mas as aplicações do hormônio sexual feminino deformaram-lhe o corpo e desequilibraram seu organismo.
Publicamente humilhado, o matemático perdeu o acesso de segurança aos laboratórios onde trabalhava porque, sob a mentalidade da Guerra Fria corrente, homossexuais eram alvo fácil de chantagem -logo, uma brecha na segurança.
Dois anos depois, Turing morreria ao comer uma maçã envenenada, no que foi declarado suicídio. A biografia "Alan Turing: o Enigma", do matemático Andrew Hodges (1983), e o filme "Quebrando o Código" (1986) contam sua história.
"O governo britânico deveria se desculpar a Alan Turing e reconhecer que seu trabalho viabilizou em larga medida o mundo em que vivemos e nos salvou da Alemanha nazista", diz a petição, aberta pelo programador John Graham-Cumming.
A campanha foi abraçada por nomes como o escritor Ian McEwan e o biólogo Richard Dawkins, para quem Turing deveria ter sido "condecorado". "Em vez disso, esse gênio excêntrico e delicado foi destruído por um "crime" que não prejudicou ninguém", disse ao jornal "The Independent".

Efeito cascata
Mas nem o próprio Cumming crê na retratação oficial. Afinal, escreve em seu blog, "eles [o governo] estariam ferrados, pois precisariam se desculpar com todos os homens processados por indecência e provavelmente lidar com uma lista de coisas desagradáveis pelas quais as pessoas poderiam exigir desculpas".
O programador -que afirma ser heterossexual e diz que sua petição nada tem a ver com a "agenda gay", mas sim com sua indignação pelo "tratamento chocante" que encurtou a vida de Turing- sugere que ao invés das desculpas oficiais, seja aberto um fundo para o Museu Nacional de Computação e para a ajudar a conservar a mansão de Bletchley Park.


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