São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005 |
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Micro/Macro Viagem no tempo
MARCELO GLEISER
Dessa vez, porém, minha resposta foi diferente. Se pudesse viajar no tempo, gostaria de ir para o futuro. Mais precisamente, cem anos no futuro, em torno de 2100, quando já estarei morto por algumas décadas. (A menos, claro, que nos próximos 50 anos meus colegas médicos desenvolvam curas e métodos que nos permitam chegar aos 150 anos com lucidez e dignidade.) Por algum motivo, talvez porque tenha de certa forma resolvido alguns de meus problemas com o passado, senti que seria mais relevante ir para a frente, que o passado, bem ou mal, conhecemos um pouco, mas o futuro permanece uma incógnita completa. Certamente, parte de minha resposta é pessoal; hoje, preocupo-me mais com meus filhos e seu futuro do que com o meu passado. Quero conhecer meus bisnetos, ver que pessoas virão a ser. Contudo, não foi em meus filhos ou bisnetos que pensei quando contemplei minha resposta: foi no nosso destino coletivo, o futuro da humanidade. Vejo a corrida nuclear se estendendo a nações pobres, controladas por líderes radicais, motivados por preconceitos religiosos, cegos às diferenças de fé, imunes ao conceito de liberdade de escolha. Vejo as nações mais ricas explorando a mão-de-obra barata das nações mais pobres, de modo a manter a qualidade de vida de seus cidadãos sem qualquer preocupação com a dignidade daqueles que exploram. Vejo a escassez dos combustíveis fósseis crescer, os preços aumentarem, exacerbando as desigualdades sociais que hoje dividem o mundo. Vejo o crescimento acelerado das tecnologias criando uma subclasse social, aqueles que não têm acesso aos computadores de ponta, aos produtos que disseminam informação e, conseqüentemente, poder. Vejo a fome aumentando, a poluição causando os desequilíbrios climáticos previstos por modelos de aquecimento global que hoje são desprezados pelos políticos de países como os EUA. Vejo a hipocrisia da liderança política corroendo a confiança da população. Vejo que, moralmente, o homem é um animal primitivo. Tudo isso vejo agora, com os olhos de quem vive em 2005. Por isso gostaria de viajar até 2100, para que possa me surpreender com a inventividade das pessoas, para provar que essa minha negatividade toda é produto do nosso momento atual, que vai dar tudo certo, que vamos conseguir sobreviver a nós mesmos. Se soubesse disso ficaria em paz, acreditaria que o homem, finalmente, começou a evoluir moralmente. Depositamos esperança demais nas tecnologias, achamos que seremos capazes de resolver todos os problemas através de soluções técnicas. Como cientista, é claro que apoio esse esforço. É graças aos grandes avanços tecnológicos que temos luz elétrica, telefones, antibióticos, vacinas, carros e aviões. Mas para que 2100 não seja o pesadelo que descrevi, outra revolução é necessária, moral, e não material. Acredito que seja possível, mesmo se acusado de ingenuidade. A alternativa é inaceitável. Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu" Texto Anterior: Resgate amazônico Próximo Texto: Ciência em Dia - Marcelo Leite: O infortúnio de Francelmo Índice |
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