São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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COPENHAGUE 2009/ ANÁLISE

Legado será a desmobilização do público

Reagrupamento de forças para articular novo acordo será difícil em 2010; negacionismo e lobby voltam a se organizar

DO ENVIADO A COPENHAGUE

O mundo ainda está chocado demais para conseguir avaliar o significado histórico da última sexta-feira em Copenhague, quando a maior reunião de chefes de Estado já realizada foi a pique e seus convidados fugiram dela sem nem posar para a fotografia oficial.
Quando cair em si, a humanidade perceberá que em Copenhague o mundo não apenas perdeu dois preciosos anos de negociação -e ação- contra o aquecimento global: desperdiçou também um engajamento inédito da opinião pública, que a partir do ano que vem pode refluir perigosamente.
Entre 2006 e 2007, os terráqueos pareceram despertar para o fato de que o mundo está aquecendo. A partir de então, o ambiente virou uma das prioridades na agenda da mídia, da sociedade e dos políticos.
A proteção ambiental decidiu a eleição de Kevin Rudd, na Austrália, e teve um peso mais do que marginal na de Barack Obama, nos EUA.
Embalado por "Uma Verdade Inconveniente" e pelo Prêmio Nobel da Paz para o IPCC, o mundo conseguiu avançar no rumo de um tratado eficiente e inclusivo na conferência de Bali, em 2007 -apesar de os EUA ainda estarem sob gerência de George W. Bush.
Pelo mundo inteiro, a consciência climática veio num "crescendo", marcado para ter sua apoteose em Copenhague. Expressões alienígenas há até poucos anos, como "partes por milhão" e "pegada de carbono" viraram linguagem corrente. Manifestações pelo clima, nos últimos meses, mobilizaram milhões de pessoas em centenas de cidades do planeta.
E Copenhague chegou, com uma presença de público, imprensa e líderes sem precedentes. Mas a apoteose não veio. Os organizadores do evento pareciam saber que não viria, pois já na terça-feira começaram a banir as ONGs do Bella Center.
A partir de quinta, o fiasco já estava configurado: agendas domésticas de EUA e China, ambos presas do lobby das energias sujas, somadas à inabilidade da presidência dinamarquesa, não deixavam espaço para as concessões necessárias à produção do acordo. O discurso inflexível de Barack Obama na sexta-feira, seguido da escapada em massa dos líderes, sedimentou o anticlímax. E, quando todos achavam que não poderia ficar pior, a oposição dos países pobres na plenária transformou o acordo já ridículo num mero apêndice de uma decisão regimental.
Ninguém achava realmente que Copenhague fosse produzir a solução para o clima. Seu feito mais importante seria manter a mobilização política e pública para que isso viesse a acontecer no ano que vem.
Mas os líderes saíram do reino da Dinamarca escondidos, e o público, de bode. Enquanto isso, o negacionismo do aquecimento global cresce e o lobby das indústrias sujas se reagrupam. O legado tóxico de Copenhague pode ser a desmobilização geral, que tornará extremamente difícil a obtenção de um acordo de verdade no ano que vem. Prepare o seu caiaque. (CA)


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