São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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Minha inveja, meu sucesso

Pesquisador se inspira na seleção natural para entender porque atitude invejosa existe entre seres humanos

RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine que você está passeando com sua namorada ou seu namorado. Passa, então, alguém mais bonito e aparentemente mais rico do que você. Se a sua primeira reação é soltar um "ele é gay" (caso você seja um homem) ou um "ela é uma vagabunda" (caso você seja uma mulher), parabéns. O seu comportamento invejoso é o combustível do sucesso humano.
Todos as emoções humanas, dizem os psicólogos que se interessam pela seleção natural, têm uma boa razão para existir. São consequência de milhões de anos de adaptação.
O instinto mais fácil de compreender provavelmente é a vontade de fazer sexo. Quem sentia deixou muito mais descendentes, passando essa característica adiante. Os filhos, por sua vez, tiveram outro punhado de filhos que gostavam de sexo, e assim por diante.
Outros comportamentos têm explicação menos óbvia. É o caso da inveja. Como ela poderia ser um comportamento vantajoso, a ponto de estar tão presente entre humanos?
Quem explica é o psicólogo evolutivo David Buss, da Universidade do Texas, em vários trabalhos recentes.
Ninguém gosta de sentir inveja, de perceber que alguém, em algum sentido, é superior. É um sentimento desagradável, por mais que se tente disfarçar.
Indivíduos invejosos, portanto, sempre tiveram um estímulo grande para se esforçar para alcançar os invejados -e, assim, acabar com a sensação incômoda de inferioridade. No longo prazo, invejosos têm, sim, mais chance de ter sucesso -especialmente reprodutivo.
Homens e mulheres, diz Buss, sentem tipos diferentes de inveja. Isso porque tiveram que se adaptar a dificuldades diferentes na evolução.

Modos de macho e fêmea
Biologicamente, em princípio, homens podem tantos quantos conseguirem gerar. Atraem-se em geral por mulheres jovens com aparência fértil.
Já o instinto feminino investe mais em cada bebê. São pelo menos nove meses de gestação. Mulheres que se importavam com a capacidade dos seus companheiros de assegurar que isso tudo não seria desperdiçado tiveram mais sucesso reprodutivo que as outras.
Então, evolutivamente, faz sentido que as mulheres se sintam atraídas, entre outras coisas, por homens que apresentem segurança. Quando a espécie humana vivia de caça e de coleta, isso significava conseguir trazer quantidades grandes de proteína para os filhos. No mundo moderno, significa algum sucesso profissional.
Como a inveja é consequência direta da competição entre as pessoas, homens tendem a se incomodar mais com os seus colegas que ganham mais. As mulheres, com as suas amigas mais atraentes do que elas.
Isso tudo não significa, claro, que homens não sintam inveja de caras bonitos (ou mulheres de moças ricas) ou que homens não se atraiam por mulheres de sucesso (e muito menos que mulheres não gostem de homens bonitos). É só uma questão de intensidade.
A inveja tem outro componente importante. Ela frequentemente aparece associada a uma tentativa de minimizar o sucesso do invejado. A promoção recebida por alguém no trabalho não significa competência ("é um mero puxa-saco"). A vizinha não é bonita porque se cuida ("fez uma plástica").
O instinto humano é não se inferiorizar com relação aos outros -ninguém quer ser visto como a última opção, especialmente em termos sexuais. Quem não se armou contra isso, ao longo da evolução, não se reproduziu e sumiu do mapa.
Tentar rebaixar quem está por acima, então, é uma tentativa, talvez até desesperada, de não parecer menor do que eles.
As pessoas, então, geralmente não admitem que sentem inveja porque fazer isso seria uma forma de dizer aos outros "sim, estou abaixo no ranking social e sei disso".
"Gore Vidal [escritor americano] já dizia: ter sucesso não é o suficiente. Os outros precisam fracassar", escreve Buss.

Inveja de velho
Desde as diferenças entre a inveja masculina e a feminina, até o gosto por estar acima no ranking social (as pessoas preferem ganhar R$ 3.000 se todos ganharem R$ 2.000 do que ganhar R$ 5.000 se todos ganharem R$ 7.000, por exemplo), muitas hipóteses sobre a inveja foram confirmadas com voluntários em experiências realizadas na última década.
Algumas, entretanto, ainda estão em aberto. A mais instigante, levantada por Buss, relaciona-se com a impressão de que as pessoas ficam menos invejosas com a idade -a inveja seria mais comum na juventude. A explicação, diz ele, talvez não seja o amadurecimento.
Pode ser que, depois do pico reprodutivo, a idade faça com que ser a última opção em termos sexuais já não faça tanta diferença. Os outros são mais bonitos? Que sejam. Tanto faz. Os pesquisadores querem respaldar, em breve, essas ideias em experimentos.

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