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Minha inveja, meu sucesso
Pesquisador
se inspira na
seleção natural
para entender
porque atitude
invejosa existe
entre seres
humanos
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Imagine que você está passeando com sua namorada ou seu namorado. Passa, então, alguém mais
bonito e aparentemente
mais rico do que você. Se a sua
primeira reação é soltar um
"ele é gay" (caso você seja um
homem) ou um "ela é uma vagabunda" (caso você seja uma
mulher), parabéns. O seu comportamento invejoso é o combustível do sucesso humano.
Todos as emoções humanas,
dizem os psicólogos que se interessam pela seleção natural,
têm uma boa razão para existir.
São consequência de milhões
de anos de adaptação.
O instinto mais fácil de compreender provavelmente é a
vontade de fazer sexo. Quem
sentia deixou muito mais descendentes, passando essa característica adiante. Os filhos,
por sua vez, tiveram outro punhado de filhos que gostavam
de sexo, e assim por diante.
Outros comportamentos
têm explicação menos óbvia. É
o caso da inveja. Como ela poderia ser um comportamento
vantajoso, a ponto de estar tão
presente entre humanos?
Quem explica é o psicólogo
evolutivo David Buss, da Universidade do Texas, em vários
trabalhos recentes.
Ninguém gosta de sentir inveja, de perceber que alguém,
em algum sentido, é superior. É
um sentimento desagradável,
por mais que se tente disfarçar.
Indivíduos invejosos, portanto, sempre tiveram um estímulo grande para se esforçar
para alcançar os invejados -e,
assim, acabar com a sensação
incômoda de inferioridade. No
longo prazo, invejosos têm,
sim, mais chance de ter sucesso
-especialmente reprodutivo.
Homens e mulheres, diz
Buss, sentem tipos diferentes
de inveja. Isso porque tiveram
que se adaptar a dificuldades
diferentes na evolução.
Modos de macho e fêmea
Biologicamente, em princípio, homens podem tantos
quantos conseguirem gerar.
Atraem-se em geral por mulheres jovens com aparência fértil.
Já o instinto feminino investe mais em cada bebê. São pelo
menos nove meses de gestação.
Mulheres que se importavam
com a capacidade dos seus
companheiros de assegurar
que isso tudo não seria desperdiçado tiveram mais sucesso
reprodutivo que as outras.
Então, evolutivamente, faz
sentido que as mulheres se sintam atraídas, entre outras coisas, por homens que apresentem segurança. Quando a espécie humana vivia de caça e de
coleta, isso significava conseguir trazer quantidades grandes de proteína para os filhos.
No mundo moderno, significa
algum sucesso profissional.
Como a inveja é consequência direta da competição entre
as pessoas, homens tendem a se
incomodar mais com os seus
colegas que ganham mais. As
mulheres, com as suas amigas
mais atraentes do que elas.
Isso tudo não significa, claro,
que homens não sintam inveja
de caras bonitos (ou mulheres
de moças ricas) ou que homens
não se atraiam por mulheres de
sucesso (e muito menos que
mulheres não gostem de homens bonitos). É só uma questão de intensidade.
A inveja tem outro componente importante. Ela frequentemente aparece associada a
uma tentativa de minimizar o
sucesso do invejado. A promoção recebida por alguém no trabalho não significa competência ("é um mero puxa-saco"). A
vizinha não é bonita porque se
cuida ("fez uma plástica").
O instinto humano é não se
inferiorizar com relação aos
outros -ninguém quer ser visto como a última opção, especialmente em termos sexuais.
Quem não se armou contra isso, ao longo da evolução, não se
reproduziu e sumiu do mapa.
Tentar rebaixar quem está
por acima, então, é uma tentativa, talvez até desesperada, de
não parecer menor do que eles.
As pessoas, então, geralmente não admitem que sentem inveja porque fazer isso seria
uma forma de dizer aos outros
"sim, estou abaixo no ranking
social e sei disso".
"Gore Vidal [escritor americano] já dizia: ter sucesso não é
o suficiente. Os outros precisam fracassar", escreve Buss.
Inveja de velho
Desde as diferenças entre a
inveja masculina e a feminina,
até o gosto por estar acima no
ranking social (as pessoas preferem ganhar R$ 3.000 se todos
ganharem R$ 2.000 do que ganhar R$ 5.000 se todos ganharem R$ 7.000, por exemplo),
muitas hipóteses sobre a inveja
foram confirmadas com voluntários em experiências realizadas na última década.
Algumas, entretanto, ainda
estão em aberto. A mais instigante, levantada por Buss, relaciona-se com a impressão de
que as pessoas ficam menos invejosas com a idade -a inveja
seria mais comum na juventude. A explicação, diz ele, talvez
não seja o amadurecimento.
Pode ser que, depois do pico
reprodutivo, a idade faça com
que ser a última opção em termos sexuais já não faça tanta
diferença. Os outros são mais
bonitos? Que sejam. Tanto faz.
Os pesquisadores querem respaldar, em breve, essas ideias
em experimentos.
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