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CIÊNCIA
Físico britânico propõe teoria que questiona a existência do tempo
O fim das horas
ISABEL CLEMENTE
de Londres
O tempo não existe. O primeiro a
oferecer uma versão popular sobre essa polêmica tese será o físico
britânico Julian Barbour, 61. Seu
livro, "O fim do tempo", será publicado em setembro, nos Estados
Unidos e no Reino Unido, sob a
recomendação da Universidade de
Oxford.
Há 35 anos Barbour deu início a
uma viagem intelectual para explicar o que é o tempo, uma dimensão tão misteriosa, argumenta,
que sequer foi explicada diretamente por Isaac Newton (século
17) ou Albert Einstein. "Esse tem
sido um assunto para filósofos".
Em 91, se deu por convencido:
"O tempo não existe". Não
adianta sequer tentar suavizar a
proposta. Estaria ele falando de algo menos dramático, de algum
viés da física inacessível para os
não-iniciados no meio científico?
"Não", diz, "o que eu proponho
é bem radical mesmo".
Casado, pai de quatro filhos,
nascido em Jerusalém, mas britânico por adoção, seu ambiente de
trabalho é o próprio lar: uma casa
do século 17, cercada, de um lado,
por uma igreja do século 12 e, de
outro, por construções não menos
antigas numa pequena vila na área
rural da Inglaterra, ao noroeste de
Londres -um lugar onde o tempo
parece ter parado.
Folha - Sua tese de que o tempo
não existe é difícil de ser assimilada porque vemos movimento, uma
das provas de que o tempo é real.
Como o senhor explica isso?
Barbour - Nós sabemos que o
cérebro nos engana quase sempre.
Quando assistimos a um filme no
cinema, imagens paradas estão
correndo tela abaixo e nós não
conseguimos ver. Nossos olhos
não acompanham a mudança e
concluem haver movimento. É
uma completa ilusão. Acredito
que aconteça o mesmo quando
nosso cérebro faz com que acreditemos em movimento. Entre montes de imagens registradas no nosso cérebro, ele as organiza de forma a passar a idéia de movimento.
Folha - Qual seria o impacto na
vida das pessoas se ficasse comprovada a inexistência do tempo?
Barbour - Isso é muito difícil de
prever. Copérnico, ao descobrir
que a Terra não era o centro do
Universo, não tinha idéia do que
veio depois dele, sobre o que Galileu e Albert Einstein realizaram
com base na sua revolução. Minha
tese é uma conjectura, e não estou
sozinho nisso. Há um bom número de respeitados cientistas conduzindo pesquisas em linhas similiares à minha. Se essa conjectura for
provada, certamente nos deixará
mais conscientes sobre o quanto o
mundo é especial, sobre a criatividade da natureza.
Foi o mesmo quando Copérnico,
no século 16, descobriu que a Terra
estava se movendo. É óbvio que a
Terra não está se movendo, nada
se move, mas Copérnico fez sua
descoberta olhando para os planetas e as estrelas e percebendo que
as posições mudavam. Essa foi
uma dedução que mudou completamente a visão do mundo. Galileu, com base nesses achados, foi
além, e Einstein, 300 anos depois
de Copérnico, chegou à teoria da
relatividade e à lei da inércia. Foram consequências que Copérnico
jamais poderia imaginar, e talvez
seja o mesmo tipo de mudança que
uma teoria como a da inexistência
do tempo possa provocar. O problema é que estamos tão acostumados ao tempo que sequer paramos para pensar sobre isso.
Folha - Dificilmente as pessoas
deixariam de usar relógio, por
exemplo, ou desacreditariam totalmente nas medidas do tempo.
Sendo assim, a comprovação da
inexistência do tempo seria uma
outra abstração, válida apenas para o meio científico?
Barbour - Não. O relógio ainda
teria sua utilidade, não para indicar as horas, mas para indicar a
possibilidade que se conhece. Os
instantes do tempo são um pouco
como lugares diferentes na Terra.
O relógio seria como um instrumento de navegação, que diria onde você está no planeta. A cada
momento, nos encontramos em
uma nova possibilidade, e o relógio seria a prova da existência desse instante.
Folha - O que é o passado?
Barbour - É tão real quanto um
agora. O nosso corpo, por exemplo, passa por bilhões de pequenas
modificações em apenas um segundo. Bilhões e bilhões de hemoglobinas são criadas e destruídas.
No fundo, somos pessoas diferentes a cada instante e a nossa consciência é parte disso. Cada agora
vem com uma gama de possibilidades de experiências e não se pode dizer que uma experiência vem
antes da outra. Esse é o problema
da seta do tempo, parece que há
uma cronologia, uma impressão
tão consistente que acreditamos
na linha do tempo. Uma história
pode ser arranjada para parecer
cronológica. Algumas mudanças
nessa estrutura não deixariam a
mesma impressão de continuidade. O cerne da minha teoria questiona isso, por que apreendemos
apenas as informações que parecem dar a noção de cronologia? É
um mecanismo poderoso que resulta na nossa experiência. Minha
explicação é que apenas os agoras
que fazem algum sentido lógico
são escolhidos pela mente.
Folha - Se temos um "agora" na
mente, os outros são expressos pelas possibilidades que eu penso terem sido descartadas, mas que
ainda existem em algum lugar?
Barbour - Isso é um grande
mistério. A física newtoniana é a
forma como entendemos o tempo.
Como se houvesse um curso na
história. Já a mecânica quântica
não nos fornece essa imagem, pelo
contrário, diz que há várias probabilidades ao mesmo tempo. O problema é que, hoje, a mecânica
quântica só é aplicada a uma parte
do Universo e o desafio é aplicá-la
a todo o Universo, porque, segundo esse princípio, um objeto pode
estar em vários lugares ao mesmo
tempo. Na física quântica, até você
provar que o objeto está em apenas
um lugar, ele está por toda parte. E
é um princípio que se torna ainda
mais complicado, bonito e surpreendente quando diz que vários
objetos podem estar em um único
lugar ao mesmo tempo. Aplicada a
todo o Universo, essa teoria possibilita a existência de vários "agoras" num único instante. O que a
mecânica quântica diz é que há várias versões de você por toda parte.
No mundo da mecânica quântica, ocorrem em você bilhões de
coisas nesse momento, mas haverá
sempre um outro, no qual você
não entrará. Somos prisioneiros
do agora em que vivemos.
Folha - Mas neste mundo em
que vivemos há provas fortes da
direção do tempo, o envelhecimento, as memórias, o movimento, a própria contagem do tempo.
Barbour - O fenômeno está correto, mas a explicação errada. Pela
minha noção de tempo, a explicação deveria ser outra. Além do
mais, é preciso lembrar que o sol e
as estrelas mostram uma passagem diferente do tempo. Venho
questionando por que uma medida seria melhor que a outra.
Folha - O sr. é religioso?
Barbour - Fui quando era mais
jovem. Hoje acredito que a vida é
um dom e um mistério pelo qual
sou infinitamente grato. Acredito
que a física ainda realizará notáveis descobertas. O fato de as leis
científicas não preverem nenhum
papel para as cores e os sabores
prova que muito está por vir.
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