São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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PERISCÓPIO

Pesquisando a causa da miopia

JOSÉ REIS
especial para a Folha

J. Wallman e colaboradores, da Universidade da Cidade de Nova York, publicaram na revista "Science" (237, nº 4.810) importante artigo em que relatam experimentos feitos sobre a miopia em pintos, que poderão ajudar no esclarecimento fisiopatológico das ametropias.
No olho com visão normal (emetropia), a imagem dos objetos, próximos ou distantes, forma-se precisamente na retina. Isso quer dizer que para essa membrana sensorial convergem os raios luminosos. Na ametropia, assim não acontece: a convergência dos raios se dá antes (miopia) ou depois (hipermetropia) da retina. O míope tem dificuldade de ver de longe; o hipermétrope, de ver de perto. Por meio de lentes corretoras adequadas, é possível, conforme o caso, aumentar (hipermetropia) ou diminuir (miopia) o caminho dos raios na câmara posterior do olho, fazendo com que eles incidam sobre a retina.
Já se sabia que, nas miopias, ocorre aumento do comprimento ocular, o que se explicava pela ação de algum fator que agisse globalmente sobre o olho. Na década passada, demonstrou-se que alterações na experiência visual podem causar miopia. Assim, animais privados da visão de formas em fases precoces da vida ficavam míopes, e essa miopia se relacionava com o aumento do comprimento do eixo ocular. Fenômeno semelhante se observava em crianças que sofriam de doenças que as privavam da visão de formas.
Partindo desses dados, Wallman e colaboradores procuraram apurar o que ocorreria se obstruíssem apenas uma região do campo visual. Obteriam assim uma miopia localizada?
Para atingir seu objetivo, eles adaptaram oclusores plásticos translúcidos sobre um dos olhos de pintos recém-nascidos, ficando o outro olho livre, para controle. Dividiram os animais em três grupos: no primeiro, fizeram oclusão total do olho; no segundo, oclusão do campo visual temporal, o que implicava privar da visão das formas a região nasal da retina; no terceiro, oclusão do campo visual nasal, privando, pois, a região temporal da retina da visão das formas.
Quando atingiram de duas a seis semanas de idade, os pintos foram analisados. Mediu-se a refração em ambos os olhos ao longo de três eixos -o óptico e dois outros, situados a 30 graus para cada um dos lados- temporal e nasal.
Nos casos em que toda a retina fôra privada da visão das formas, os olhos revelaram miopia nos três eixos medidos, ao passo que o olho-controle se mostrava emétrope, isto é, com refração normal. Nos olhos em que se provocou oclusão parcial, observou-se miopia apenas ao longo do eixo correspondente à região retiniana privada da visão das formas. Esses olhos não se distinguiam dos controles nos eixos correspondentes à região da retina que não sofrera privação.
Os investigadores passaram a pesquisar se a miopia era associada ao aumento local do raio da câmara posterior. Para isso, tiveram de sacrificar os animais, depois de medir a refração e fotografar os globos oculares. Verificaram que, nos animais totalmente privados da visão, a câmara posterior se apresentava toda ela alongada, ao passo que, nos parcialmente privados, apenas estava aumentada a região correspondente à área da retina privada da visão das formas.
O que se pode concluir desses experimentos é que, normalmente, a atividade retiniana é capaz de controlar o crescimento da parede do globo ocular que fica logo abaixo, ajustando assim o comprimento do trajeto óptico à manutenção da imagem em foco da retina.


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