São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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+ Marcelo Gleiser

Onda e partícula são imagens criadas a partir de nossa experiência

A luz, essa desconhecida

Já que na semana passada escrevi sobre a gravidade, nesta semana resolvi manter a mesma linha temática e abordar outra companheira nossa do dia-a-dia cujo charme nos passa muitas vezes despercebido, a luz. Evoluímos ao longo de milhões de anos de modo que nossos olhos pudessem perceber o espectro luminoso, as cores contidas no arco-íris. Os primeiros a pensar na luz de forma mais científica foram, como sempre, os filósofos da Grécia Antiga. Em particular, os atomistas diziam que a luz, como tudo o que existe no cosmo, é feita de pequenas partículas indivisíveis que chamaram de átomos. Segundo eles, diferentes tipos de matéria ou luz de diferentes cores eram compostas de átomos diversos que juntos criavam a diversidade do mundo natural. A questão da natureza da luz volta à berlinda no século 17, quando duas teorias opostas foram defendidas. Isaac Newton, o grande físico e matemático inglês, acreditava que a luz era mesmo feita de átomos, como diziam os gregos. Em seu tratado Óptica, publicado em 1704, propôs que a luz solar fosse uma combinação das cores do arco-íris. Para provar seu argumento, fez a luz passar por prismas que, como sabemos a partir de efeitos semelhantes em cristais e vidros, têm a propriedade de separá-la nas várias cores. Newton fez também a experiência inversa, usando prismas para recombinar luz de diferentes cores na luz "branca" do Sol. Argumentou que a separação se dá quando átomos das várias cores colidem com o material do prisma e têm suas velocidades afetadas de modo diverso. A teoria rival, proposta por Christian Huyguens, sugeria que a luz era uma onda. Onda e partículas são, claro, coisas bem diferentes: partículas são localizadas no espaço, enquanto ondas se espalham pelo espaço. Dentre as várias previsões das duas teorias, uma importante era a mudança na velocidade da luz quando passa do ar para a água. Segundo a teoria corpuscular, a velocidade aumentaria; segundo a ondular, diminuiria. Apenas em 1850 dois franceses, Armando Fizeau e Jean Foucault (o mesmo do pêndulo), fizeram o experimento que resolveu a questão: a velocidade da luz na água diminuía. Esse resultado, junto de outras evidências sobre as propriedades de difração e refração de ondas de luz, parecia ter acabado com a discussão sobre sua natureza. O grande Newton e os atomistas estavam errados. Será? Algumas décadas após o experimento de Fizeau e Foucault, outra descoberta sobre a luz renovou o mistério. Aparentemente, luz ultravioleta, invisível, era capaz de neutralizar uma placa metálica carregada eletricamente. Ou seja, de alguma forma, a luz removia as cargas extras (os elétrons) que eletrizavam a placa. Se a luz pertencesse ao espectro visível -vermelha, verde, amarela, azul etc- nada acontecia, nem mesmo quando sua intensidade era aumentada. Explicações baseadas na teoria ondular falharam. E agora? Foi Einstein, em 1905, que resolveu a questão, propondo, pasmem, que a luz era uma partícula! Sugeriu que a luz fosse composta de pequenos pacotes, chamados mais tarde de fótons, que colidiam com os elétrons da placa como bolas de bilhar. Fótons ultravioleta, muito energéticos, eram capazes de atirar os elétrons para longe. Sua teoria funcionou como uma luva e rendeu-lhe o prêmio Nobel de 1921. Mas, afinal, a luz é onda ou partícula? É ambas e nenhuma das duas! Onda e partícula são imagens que criamos baseados na nossa experiência. Infelizmente, a luz não dá a menor bola para como a descrevemos. Ela é o que é, misteriosa e fascinante.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"


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