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Zoólogos do Butantan pedem que ex-presidente "vá para casa"
Isaias Raw chamou coleção destruída por incêndio de "bobagem medieval"
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Revoltados com as declarações dadas ontem pelo ex-presidente da Fundação Butantan,
Isaias Raw, zoólogos do Butantan ouvidos pela Folha afirmaram que o pesquisador deveria
parar de influenciar os rumos
do instituto paulista.
Apesar dos 83 anos, Raw ainda é muito influente no lugar.
Ele disse anteontem que o
acervo de répteis e artrópodes
parcialmente destruído por um
incêndio no sábado era uma
"bobagem medieval", que a
ciência produzida pelos zoólogos de lá era "de quinta" e que a
função do instituto deveria ser
produzir vacinas.
"Mais sensato seria que ele
celebrasse a tragédia no conforto da sua residência", diz nota assinada por pós-graduandos, que chama Raw de arrogante. "Sua gestão faz com que
suas declarações não surpreendessem ninguém."
"É como se, durante o velório
de um ente querido, a família
fosse obrigada a aturar um lunático invadindo o salão, estourando uma garrafa de
champanhe e celebrando a ausência definitiva do morto."
Otávio Marques, diretor do
Laboratório de Ecologia e Evolução, critica a valorização só
das vacinas. Para ele, Raw despreza a ciência não-aplicada do
instituto e discussões com ele
sobre o assunto eram comuns.
Todos os outros chefes de laboratórios de zoologia do lugar
consultados pela Folha fizeram comentários semelhantes.
Como exemplo da importância científica de acervos de cobras, Marques cita o Captopril,
remédio para hipertensão sintetizado a partir do veneno da
jararaca. Outras substâncias
têm propriedades anestésicas e
anticoagulantes, diz.
Os cientistas dizem que o
acervo era importante também
para definir políticas de conservação e comparar como diferentes espécies se adaptam a
diferentes ambientes.
Eles criticaram o zoólogo
Paulo Vanzolini, para quem a
pesquisa com répteis e anfíbios
do local era de "segundo grau".
Ele deveria se concentrar em
compor músicas, disse um.
Rescaldo
Ontem os cientistas continuaram retirando material do
galpão queimado. Eles esperam
terminar o trabalho hoje.
O delegado Paulo Cesar Costa, do 51º Distrito Policial, disse
que a Polícia espera o resultado
da perícia, que deve levar entre
30 e 90 dias. Por enquanto, não
há evidência de que o incêndio
possa ter sido criminoso.
Os cientistas do Butantan
não discordam de que a causa
provável tenha sido um problema elétrico. Segundo um deles,
com frequência alguém levantava a possibilidade do galpão
pegar fogo. "A gente até esperava que ia ser pior, que na explosão voaria fogo para todo lado."
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