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AMBIENTE
Aquífero Guarani, capaz de abastecer Brasil por 2.500 anos, tem áreas com alto risco de contaminação por agrotóxico
Poluentes ameaçam megarreserva de água
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ao contrário da maior parte do
planeta, a América do Sul esbanja
reservas de água doce e abriga um
verdadeiro mar subterrâneo, com
capacidade para abastecer o Brasil inteiro por 2.500 anos. O problema, aponta um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), é que o megarreservatório vem sendo contaminado por agrotóxicos nas áreas
em que está perto da superfície.
Quem dá o alerta é o geólogo
Marco Antonio Ferreira Gomes,
da Embrapa Meio Ambiente, em
Jaguariúna (interior de São Paulo). Gomes coordena um projeto
que avalia a contaminação do
chamado aquífero Guarani, um
reservatório subterrâneo que
abrange trechos de oito Estados
brasileiros e de três países vizinhos (veja o quadro à direita).
A pesquisa encontrou níveis de
agrotóxico próximos ao limite
considerado perigoso para a saúde humana num dos trechos paulistas do aquífero e definiu outras
quatro áreas no país onde o risco
de contaminação pode ser sério.
Amostras contaminadas
A maior ameaça, diz o cientista,
é o avanço da monocultura intensiva sobre as chamadas área de recarga, onde a proximidade do
aquífero com a superfície o expõe
à água da chuva ou dos rios (e aos
agrotóxicos trazidos por ambas).
"As áreas de recarga estão a uns
40 m ou 50 m da superfície, em
geral nas bordas da área do aquífero", afirma Gomes. "Outras
áreas dele estão confinadas [separadas da superfície por rochas".
Em São José do Rio Preto [interior
de São Paulo", por exemplo, o recobrimento do aquífero chega a
ter 1.200 m de rocha", afirma.
O trabalho da equipe começou
em 1995, avaliando o estado da
área de recarga em Ribeirão Preto
(314 km ao norte da capital paulista). A região combina dois fatores interessantes para os pesquisadores: é dominada pelas plantações de cana-de-açúcar, o que significa muito agrotóxico, e seu
abastecimento de água vem quase
exclusivamente do subsolo.
"A análise que a gente faz, chamada fisiográfica, envolve principalmente o uso agrícola da região,
junto com os dados do solo, vegetação e clima", afirma Gomes. Em
São Paulo, os pesquisadores combinaram esses dados com amostras da água do aquífero, constatando a contaminação com agrotóxicos usados na lavoura de cana, como herbicidas (diuron e tebutiuron, por exemplo).
"O nível encontrado é 80% do
máximo permitido para o consumo humano", diz o pesquisador.
No mapa elaborado pela pesquisa, as áreas de recarga do interior
paulista foram consideradas como de alto risco de contaminação.
Situação semelhante ocorre nas
nascentes do rio Araguaia, área
do Brasil Central que engloba trechos dos Estados de Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. "Eu
diria que o cenário nessa região
pode ser considerado crítico",
afirma Gomes.
Embora amostras do próprio
aquífero não tenham sido obtidas
nesse caso, o geólogo diz que a
agricultura intensiva de soja, milho e algodão já coloca o megarreservatório em risco. "O milho e a
soja já ocupam as áreas de recarga
e o algodão deve descer em breve
para essas zonas também. E essa
cultura exige de 10 a 15 aplicações
anuais de agrotóxico", diz Gomes.
Maçã e arroz
A situação é menos perigosa,
mas ainda assim preocupante, em
áreas do interior do Paraná (com
cultivo de milho), na região de Lajes, em Santa Catarina (com cultivo de maçã) e na área de Alegrete,
no Rio Grande do Sul (com lavouras de arroz irrigado).
Para evitar que o problema se
agrave ou se espalhe, a equipe da
Embrapa está desenvolvendo um
zoneamento ambiental, com a
meta de tirar a pressão poluente
de cima das áreas de recarga.
"Nessas áreas, é preciso um manejo diferente da monocultura intensiva", afirma Gomes. "Por
exemplo, adaptar as culturas mais
próximas dos rios de forma gradativa: primeiro a mata ciliar, depois árvores frutíferas, pecuária e,
nas áreas distantes, liberar o uso
agrícola mais intensivo", propõe.
A idéia da equipe, que apresentou um projeto reunindo pesquisadores de outros Estados e dos
países do Mercosul ao Banco
Mundial, é ampliar os dados já
conseguidos sobre a situação do
aquífero e propor novas medidas
de sustentabilidade.
"O problema do futuro vai ser a
água, e, por isso, nós estamos buscando medidas preventivas, com
efeitos de longo prazo."
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