São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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AMBIENTE

Aquífero Guarani, capaz de abastecer Brasil por 2.500 anos, tem áreas com alto risco de contaminação por agrotóxico

Poluentes ameaçam megarreserva de água

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ao contrário da maior parte do planeta, a América do Sul esbanja reservas de água doce e abriga um verdadeiro mar subterrâneo, com capacidade para abastecer o Brasil inteiro por 2.500 anos. O problema, aponta um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), é que o megarreservatório vem sendo contaminado por agrotóxicos nas áreas em que está perto da superfície.
Quem dá o alerta é o geólogo Marco Antonio Ferreira Gomes, da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (interior de São Paulo). Gomes coordena um projeto que avalia a contaminação do chamado aquífero Guarani, um reservatório subterrâneo que abrange trechos de oito Estados brasileiros e de três países vizinhos (veja o quadro à direita).
A pesquisa encontrou níveis de agrotóxico próximos ao limite considerado perigoso para a saúde humana num dos trechos paulistas do aquífero e definiu outras quatro áreas no país onde o risco de contaminação pode ser sério.

Amostras contaminadas
A maior ameaça, diz o cientista, é o avanço da monocultura intensiva sobre as chamadas área de recarga, onde a proximidade do aquífero com a superfície o expõe à água da chuva ou dos rios (e aos agrotóxicos trazidos por ambas).
"As áreas de recarga estão a uns 40 m ou 50 m da superfície, em geral nas bordas da área do aquífero", afirma Gomes. "Outras áreas dele estão confinadas [separadas da superfície por rochas". Em São José do Rio Preto [interior de São Paulo", por exemplo, o recobrimento do aquífero chega a ter 1.200 m de rocha", afirma.
O trabalho da equipe começou em 1995, avaliando o estado da área de recarga em Ribeirão Preto (314 km ao norte da capital paulista). A região combina dois fatores interessantes para os pesquisadores: é dominada pelas plantações de cana-de-açúcar, o que significa muito agrotóxico, e seu abastecimento de água vem quase exclusivamente do subsolo.
"A análise que a gente faz, chamada fisiográfica, envolve principalmente o uso agrícola da região, junto com os dados do solo, vegetação e clima", afirma Gomes. Em São Paulo, os pesquisadores combinaram esses dados com amostras da água do aquífero, constatando a contaminação com agrotóxicos usados na lavoura de cana, como herbicidas (diuron e tebutiuron, por exemplo).
"O nível encontrado é 80% do máximo permitido para o consumo humano", diz o pesquisador. No mapa elaborado pela pesquisa, as áreas de recarga do interior paulista foram consideradas como de alto risco de contaminação.
Situação semelhante ocorre nas nascentes do rio Araguaia, área do Brasil Central que engloba trechos dos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. "Eu diria que o cenário nessa região pode ser considerado crítico", afirma Gomes.
Embora amostras do próprio aquífero não tenham sido obtidas nesse caso, o geólogo diz que a agricultura intensiva de soja, milho e algodão já coloca o megarreservatório em risco. "O milho e a soja já ocupam as áreas de recarga e o algodão deve descer em breve para essas zonas também. E essa cultura exige de 10 a 15 aplicações anuais de agrotóxico", diz Gomes.

Maçã e arroz
A situação é menos perigosa, mas ainda assim preocupante, em áreas do interior do Paraná (com cultivo de milho), na região de Lajes, em Santa Catarina (com cultivo de maçã) e na área de Alegrete, no Rio Grande do Sul (com lavouras de arroz irrigado).
Para evitar que o problema se agrave ou se espalhe, a equipe da Embrapa está desenvolvendo um zoneamento ambiental, com a meta de tirar a pressão poluente de cima das áreas de recarga.
"Nessas áreas, é preciso um manejo diferente da monocultura intensiva", afirma Gomes. "Por exemplo, adaptar as culturas mais próximas dos rios de forma gradativa: primeiro a mata ciliar, depois árvores frutíferas, pecuária e, nas áreas distantes, liberar o uso agrícola mais intensivo", propõe.
A idéia da equipe, que apresentou um projeto reunindo pesquisadores de outros Estados e dos países do Mercosul ao Banco Mundial, é ampliar os dados já conseguidos sobre a situação do aquífero e propor novas medidas de sustentabilidade.
"O problema do futuro vai ser a água, e, por isso, nós estamos buscando medidas preventivas, com efeitos de longo prazo."


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