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Micro/Macro
O quantum invisível
MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA
Na semana passada escrevi sobre
as máquinas quânticas, que têm
dimensões tão pequenas que vivem na fronteira entre o nosso
mundo, o mundo clássico, e o
mundo quântico, dos átomos.
Imagino que vários leitores queiram saber mais sobre essa fronteira, ou mesmo sobre o que é esse tal
mundo quântico, com sua fama de
estar repleto de mistérios.
Começo afirmando que a fama é
mesmo merecida. No mundo dos
átomos, efeitos estranhos, aparentemente mágicos, ocorrem com
freqüência. Aliás, são a regra e não
a exceção. Por exemplo: no nosso
mundo, quando vemos uma bola
de bilhar rolando sobre uma mesa, podemos afirmar com confiança onde ela está e
estará no futuro. Entretanto, se a bola fosse um elétron ou um
próton, não poderíamos mais afirmar nada com certeza. No
máximo, poderíamos
estimar a probabilidade de o elétron estar
nessa ou naquela posição em determinado
momento. Algo acontece quando mergulhamos no mundo do
muito pequeno, algo
que distorce o significado das coisas, transformando o
certo em apenas provável.
Em 1924, o francês Louis de Broglie propôs que todas entidades
materiais em movimento -você,
eu, a bola na mesa, o elétron nos
átomos- podem ser consideradas ondas. Einstein tinha sugerido
algo semelhante com a luz: em
1905, conjeturou que ela pode ser
vista como uma onda ou uma partícula, que mais tarde foi chamada
de fóton. De Broglie ofereceu uma
fórmula para calcular o comprimento de onda de um determinado objeto. Antes, uma explicação.
Imagine ondas passando em sucessão, crista após crista, como
acontece quando uma pedra é jogada numa poça d'água. A distância entre as cristas é chamada de
comprimento de onda. No caso da pedra caindo na poça, o comprimento
de onda é da ordem de centímetros.
Se tudo é onda, por que não vemos o
mundo à nossa volta ondulando? A
resposta se encontra na fórmula proposta por De Broglie. O que deve ser
comparado é o tamanho do objeto
com seu comprimento de onda: se os
dois forem semelhantes, efeitos quânticos são importantes. Se o objeto for
muito maior do que o seu comprimento de onda, os efeitos quânticos
são desprezíveis. Todos os processos
quânticos são controlados por uma
constante fundamental chamada
"constante de Planck" (representada
pela letra h), que é extremamente pequena. Por exemplo, o comprimento
de onda (l) de um objeto é proporcional à constante de Planck (h) e inversamente proporcional
ao produto de sua
massa (m) por sua velocidade (V): l = h/
(mV). A fórmula de
de Broglie! Está tudo
aqui: como a constante h é pequena, para
que um objeto tenha
efeitos quânticos
mensuráveis, seu momento (o produto
mV) tem também de
ser muito pequeno.
Por exemplo, uma gota d'água pingando de
uma torneira tem um
comprimento de onda aproximado de um
trilionésimo de trilionésimo de metro (10-24 m). Tomando
seu tamanho como 0,1 mm, ou 10-4 m,
o efeito acaba se tornando desprezível.
Você, caro leitor, movendo-se em um
carro a 60 km/h, tem um comprimento de onda um trilionésimo de metro
menor que isso. (Não vale pôr velocidade zero, pois a fórmula não é aplicável para corpos em repouso. Ondas
têm de se mover.)
Toda a mágica quântica vem dessa
chamada dualidade partícula-onda.
Infelizmente, os efeitos desaparecem
no nosso mundo, ou mesmo no mundo das bactérias, com milionésimos de
metro. Porém, no mundo dos átomos,
a mágica jamais pára.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica
do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e
autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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