|
Próximo Texto | Índice
Estudioso da moral pode ser fraudador
Marc Hauser, de Harvard, que também estuda protolinguagem em animais, passa por investigação nos EUA
Cientista teria feito uma
interpretação forçada
de estudo com primata;
biólogo e universidade
não comentam o caso
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR INTERINO DE CIÊNCIA
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Um dos principais defensores da hipótese de que a
moralidade é inata, tendo
evoluído naturalmente nos
ancestrais do homem, está
sendo acusado de... fraude.
Marc Hauser, biólogo da
Universidade Harvard, teria
falsificado dados de experimentos, afirmam antigos subordinados do pesquisador.
Procurados pela Folha,
tanto Hauser quanto a universidade se recusaram a falar. Em declaração oficial,
Harvard só diz que o professor está sendo investigado e
que "o registro científico de
seu trabalho será corrigido".
Os detalhes da suposta
fraude têm aparecido aos
poucos, desde a semana passada. Mas o que talvez seja a
peça decisiva do quebra-cabeças veio à tona anteontem,
em reportagem do jornal
"Chronicle of Higher Education", dos Estados Unidos.
Um ex-assistente de pesquisa de Hauser forneceu documentos e e-mails comprometedores ao jornal, sob a
condição de ficar anônimo.
As mensagens mostram um
Hauser irritado com as dúvidas de seus colaboradores.
MACACOS FALANTES
Segundo o ex-assistente
de pesquisa, o problema
principal envolvia experimentos sobre linguagem
com macacos resos (veja
quadro). Neles, Hauser e
companhia queriam verificar
se os bichos captavam certos
padrões de som, parecidos
com as sílabas da fala.
Um estudo assim, aliás,
havia sido relatado nesta Folha em 2004. Ocorre, porém,
que o então assistente teria
notado algo estranho. Enquanto as observações feitas
pelo professor mostravam os
primatas captando alguns
dos padrões de sílabas, as
assinadas por outro assistente, vendo o mesmo vídeo, diziam que nada acontecia.
Junto com um aluno de
pós-graduação, o assistente
teria sugerido pedir a ajuda
de um terceiro observador
para tirar a teima. Hauser
reagiu: "Estou ficando meio
p. aqui", teria escrito num e-mail. "Não houve inconsistências [nos dados]!"
A troca de e-mails e outras
conversas parecidas teriam
levado subordinados a denunciar Hauser à direção de
Harvard, deflagrando uma
investigação que começou
em 2007 e continua até hoje.
REFERÊNCIA
Os cientistas que estudam
primatas se dizem preocupados. "Os trabalhos dele são
referência para muitos outros, estavam entre os mais
citados na área", diz Maria
Emilia Yamamoto, psicóloga
da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.
Os resultados de Hauser
realmente nunca tinham sido replicados por outros
cientistas, mas, para a pesquisadora, isso nunca foi encarado como um indicador
de possível desonestidade.
"Não é incomum não se
conseguir reproduzir os resultados, isso não era preocupante. A condição dos animais em diferentes lugares
pode variar, por exemplo."
Segundo ela, os trabalhos
eram "cuidadosos, muito
bem escritos. Se os dados que
ele utilizava como base não
eram confiáveis, quem poderia saber? Em princípio, você
acredita no cientista."
Eduardo Ottoni, etólogo
(especialista em comportamento animal) da USP, prefere ser cauteloso sobre as denúncias. "Tem um elemento
de "Schadenfreude" [alegria
com a desgraça dos outros]
nessa história, principalmente porque se trata de um
cara VIP", afirma ele.
Ottoni lembra, porém, que
alguns pesquisadores da
área já diziam que Hauser era
descuidado em seus experimentos, "embora excelente
do ponto de vista teórico".
Uma possível falha seria o
fato de que os responsáveis
por anotar as reações dos
macacos já sabiam de antemão qual eram os estímulos,
o que poderia gerar vieses.
"Pode haver um efeito VIP aí.
Se fosse pesquisa minha, o
revisor do artigo ia me debulhar. Mas, como era o Hauser, ele pode ter sido mais
complacente", diz Ottoni.
Próximo Texto: Análise: Fraudes são ponta de iceberg que se começa a enxergar Índice
|