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Pendurando o chapéu
Astrônomos brasileiros descobrem que galáxias "aposentadas" se disfarçam
de ativas
IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Galáxias que mostram serviço, mas
que há muito tempo pararam de trabalhar, andam enganando astrônomos há mais
de 25 anos, concluiu um grupo
de brasileiros liderado pela
francesa Grazyna Stasinska, do
Observatório de Paris.
Uma galáxia que trabalha de
verdade possui um suprimento
grande de gás que pode ou se
condensar, formando novas estrelas, ou espiralar, como água
pelo ralo, para dentro dos buracos negros com massas milhões de vezes maiores que a do
Sol que a maioria das galáxias
têm em seus núcleos.
Os astrônomos são capazes
de analisar a luz emitida pelo
gás quente galáctico e distinguir as galáxias onde o gás é
aquecido predominantemente
por estrelas recém-nascidas.
Eles também conseguem
distinguir algumas galáxias cujo gás interestelar é esquentado principalmente por um disco de gás ultraquente em volta
do buraco negro central.
Asilo estelar
Existe um tipo duvidoso de
galáxia, porém. Chamadas de
Liners (sigla em inglês para regiões de emissão nuclear de
baixa ionização), elas podem
perfazer até metade das galáxias do Universo próximo.
"Acredita-se que elas tenham
um disco fraquinho", explica a
astrônoma Thaisa Bergmann,
da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, que não participou do novo estudo. Este propõe uma nova explicação para a
origem de parte das Liners.
De acordo com os pesquisadores, algumas Liners podem
ser galáxias "aposentadas", que
não têm mais gás para trabalhar e só têm estrelas velhas.
Que estrelas velhas, como as
anãs brancas, aquecem o gás da
galáxia de maneira muito semelhante à dos discos de buracos negros gigantes, já se sabe
há mais de 25 anos.
O problema é que até agora
não havia a quantidade de dados nem as ferramentas para
analisar a luz das galáxias suficientes para testar a idéia.
"As galáxias aposentadas estavam no nosso nariz havia
muito tempo, mas não as identificávamos", disse Roberto Cid
Fernandes, da Universidade
Federal de Santa Catarina. Ele
é um dos autores do estudo, que
será publicado em breve na revista "Monthly Notices of the
Royal Astronomical Society".
"Achamos uma população [de
galáxias] que esperávamos que
existisse mas que estava esquecida", diz Fernandes.
Os pesquisadores usaram um
programa de computador que
Fernandes criou em 2005 para
analisar imagens de mais de
meio milhão de galáxias obtidas pelo SDSS (Sloan Digital
Sky Survey), um grande esforço
de mapeamento do céu que usa
um telescópio de 2,5 metros de
diâmetro no sul dos EUA.
O software, chamado de
"Starlight", analisou a luz de cada galáxia, separando a contribuição de suas estrelas por "faixa etária". "Se a galáxia tem gás
para formar estrelas, ela possui
estrelas muito jovens que produzem muita radiação ionizante que aquece o gás", explica
Fernandes. A luz de uma galáxia cheia de estrelas jovens é
muito diferente da luz de uma
estrela com um buraco negro
com um disco de gás quente.
"Uma galáxia pode ter estrelas velhas e jovens ao mesmo
tempo, como a nossa. O Sol é
uma estrela velha e temos estrelas jovens aqui por perto",
explica Fernandes.
De acordo com Fernandes, as
estrelas jovens ofuscam o brilho das estrelas velhas, que só
podem ser vistas em uma galáxia onde só elas existem.
"O que o grupo do Cid descobriu foi que muitas das Liners
são galáxias formadas predominantemente de estrelas velhas", explica Thaisa. "Nessa
população mais velha, há um tipo de estrela que pode dar origem a uma emissão parecida
com a que é produzida quando
o gás cai dentro do buraco negro do núcleo da galáxia." Isso
faz parecer que a galáxia está
em plena atividade, já que galáxias jovens e trabalhadoras lançam seu grande estoque de gás
para dentro do seu também ativo buraco negro central.
Caso a caso
Apesar de a amostra do SDSS
ser enorme se comparada com
o conjunto de apenas 50 galáxias que os primeiros estudos
sobre o tema analisaram, vale
lembrar que o Universo possui
algo em torno de 100 bilhões de
galáxias.
Fernandes estima que o
SDSS não registra pelo menos
metade das galáxias "aposentadas", por sua luz ser fraca.
O astrônomo João Steiner,
da Universidade de São Paulo,
foi um dos primeiros a propor,
em 1983, que alguns Liners fossem galáxias aquecidas pelos
megaburacos negros em seus
centros. Para Steiner a questão
não está resolvida e cada caso é
um caso. "As Liners não são
uma população de galáxias heterogênea"; pode haver diversos fenômenos físicos produzindo essa mesma luz, diz.
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