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Brasileiro cartografa desertos de DNA
DO COLUNISTA DA FOLHA
Numa corrida pelo ouro, quem
não dispõe de um mapa preciso
do filão se contenta com um mostrando onde não vale a pena cavar
-em especial se a corrida for
num deserto. O mesmo vale para
a corrida da genômica, em que
um cientista pernambucano radicado nos EUA está se destacando
como localizador de veios e oásis.
O dublê de biólogo e cartógrafo
molecular é Marcelo de Aguiar
Nóbrega, 32, que trabalha no Laboratório Lawrence Berkeley, na
Califórnia. Seu nome é o primeiro
na lista de cinco autores de outro
trabalho importante sobre genética publicado na edição de hoje da
revista britânica "Nature".
Nóbrega demonstrou, com a
ajuda de camundongos geneticamente modificados, que certos
desertos são de fato desertos.
Em genômica, a denominação
de "deserto" é reservada para
aquele um quarto a um terço do
genoma humano que se encontra
entremeado nos genes, compondo as chamadas regiões intergênicas. De um modo geral, eram incluídas na classe de "DNA-lixo".
Trabalhos anteriores do grupo
do Berkeley, que é chefiado por
Edward Rubin, haviam mostrado
que esses desertos estão cheios de
oásis: seqüências de DNA que não
especificam proteínas, mas têm
função. Por exemplo, trechos que
funcionam como moduladores
("enhancers") de outros genes.
A identificação desses não-genes com função havia se tornado
possível com a comparação dos
genomas de várias espécies, como
a humana, a dos camundongos e
a de um baiacu. Ela revelou que há
entre elas muitas seqüências de
DNA conservadas, idênticas ou
quase idênticas, fora dos genes.
Como em matéria de evolução a
conservação é forte indicador de
função, começou a corrida por essas seqüências. Mas a grande dificuldade é provar que um determinado trecho tem de fato função.
Homens, roedores e peixes
O grupo de Rubin e Nóbrega faz
isso seguindo duas estratégias.
Comparando primeiro os três genomas, selecionou nove regiões
conservadas e provou que sete tinham função no desenvolvimento embrionário. Isso foi feito associando o trecho com uma seqüência de DNA que tinge de azul o tecido em que for ativada. Bastava
dissecar os fetos de roedores para
verificar onde isso acontecia.
Outra amostra de 15 regiões
conservadas foi então escolhida,
mas a partir da comparação dos
genomas só de humanos e de camundongos. Como são espécies
que divergiram há cerca de 70 milhões de anos (contra mais de 400
milhões no caso do baiacu), a
chance de encontrar pepitas no
deserto era menor.
De fato, só 1 dos 15 trechos escolhidos se demonstrou obviamente funcional. O passo seguinte foi
mostrar com grau maior de confiança que eles não tinham mesmo função. A hipótese, aqui, é que
os desertos só não se tornaram
mais diferentes nas duas espécies
por falta de tempo para as mutações, aleatórias, surtirem efeito.
O jeito foi usar a "força bruta".
Sua equipe simplesmente apagou
trechos inteiros de deserto, para
ver o que acontecia. Se tivessem
alguma função oculta, os camundongos seriam inviáveis.
Ocorre que os filhotes se desenvolveram normalmente e nasceram com boa saúde. Em alguns
casos, as seqüências de DNA deletadas perfazem até 10% do cromossomo em que se localizavam.
Os pesquisadores temiam que isso desestabilizasse o cromossomo, criando problemas para o
roedor na hora de duplicá-los nas
divisões celulares. Nada.
Conclusão: boa parte do genoma de mamíferos que se parece
com lixo é lixo de verdade. Há trechos de seu enredo que estão ali
só como enchimento. "Parece
mesmo que o genoma é uma novela da Globo, e não um "Código
da Vinci'", disse o pernambucano
à revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br), que
traz neste mês reportagem sobre a
pesquisa de Nóbrega.
(ML)
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