São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Atrofia cósmica

Força que acelera a expansão do Universo é a mesma que enfraquece aglomerados de galáxias

DENNIS OVERBYE
DO "NEW YORK TIMES"

A mesma força misteriosa que acelera a expansão do Universo também está atrofiando o crescimento de objetos em seu interior, afirmam astrônomos. Depois de ganhar volume rapidamente nos primeiros 10 bilhões de anos do tempo cósmico, os aglomerados galácticos -enxames em forma de nuvem que formam os maiores conglomerados de matéria no Universo, apresentaram crescimento lento, ou nulo, nos últimos cinco bilhões de anos, como se fossem adolescentes rebeldes que subitamente se recusaram a se alimentar. "Esse resultado pode ser explicado como um caso de desenvolvimento interrompido do Universo", disse Alexey Vikhlinin, chefe da equipe que usou o telescópio espacial de raios-X Chandra, da Nasa, para pesar aglomerados galácticos em regiões distantes. O grupo divulgou os resultados na última terça-feira em dois estudos aceitos para publicação na revista "Astrophysical Journal".
Essa atrofia, diz Vikhlinin, representa "a assinatura inconfundível" de uma força antigravitacional que os astrônomos chamam de energia escura. Ela foi descoberta há dez anos com a análise de supernovas, explosões de estrelas capazes de revelar a que distância suas galáxias estão. Astrônomos mapearam, então, a expansão do Universo e constataram o inesperado. Ao invés de frear devido à gravidade cósmica o ritmo de expansão do cosmo está aumentando, com as galáxias se afastando umas das outras aceleradamente. Os resultados de Vikhlinin se enquadram à observação de supernovas. Os aglomerados se agrupam pela gravidade, de acordo com a teoria cosmológica, começando como pequenas rugas em meio ao caldo fervilhante deixado pelo Big Bang. Aos longo dos milênios, atraem o material circundante. A energia escura supostamente trabalha contra a gravidade e tenta propelir de volta a matéria que está sendo atraída a um ponto.

Engano acertado
Somados a observações anteriores, diz Vikhlinin, seus resultados reforçam -mas não confirmam- a suspeita de que a energia escura é uma estranha antigravidade conhecida como constante cosmológica, postulada por Albert Einstein e posteriormente abandonada por ele como "um engano", quase um século atrás. Caso isso seja verdade, o Universo está condenado a se esgarçar, um dia, e todas as galáxias exceto as vizinhas mais próximas da Via Láctea sumirão de vista. Outros astrônomos receberam o trabalho como uma nova via de investigação quanto ao que está acontecendo e o que pode acontecer no cosmos.
"Até o momento, apenas uma técnica, a das supernovas, havia detectado a energia escura sem incluir outras observações", disse Michael Turner, da Universidade de Chicago. O fato de que dois métodos diferentes detectarem a energia escura é um triunfo para a teoria geral da relatividade de Einstein, que explica a gravidade. "Esse foi um teste no qual a relatividade geral poderia ter fracassado", disse William Forman, da Universidade Harvard.
Explicações sobre a energia escura que envolvem modificações da gravidade einsteiniana podem estar condenadas, como resultado. Adam Riess, da Universidade Johns Hopkins, diz que "se isso fosse uma caça à raposa, e a energia escura fosse a raposa, creio que o resultado representaria que mais uma rota de fuga está fechada."

Visão de raios-X
Os aglomerados galácticos, que podem conter milhares de galáxias individuais, são laboratórios perfeitos para o estudo da gravidade e de sua inimiga, a energia escura, em grande escala. Também são fáceis de encontrar. Estão repletos de gás quente que emite raios-X. Vikhlinin e seus colegas usaram o Chandra para observar 86 aglomerados galácticos. Um primeiro grupo consistia de um conjunto de 37 aglomerados a cerca de cinco bilhões de anos-luz de distância, e o segundo de 49 outros a cerca de meio bilhão de anos-luz ou mais próximos. Suas massas, determinadas pela extensão das imagens de raios-X e seus espectros, variavam do equivalente a 100 trilhões de vezes a massa do Sol terrestre a quintilhões de sóis.
Comparando seus dados a modelos de evolução cósmica, Vikhlinin constatou que os aglomerados mais maciços representam só 20% do número que deveria existir, hoje, em um Universo no qual não houvesse energia escura. Os aglomerados, diz, "continuam crescendo, mas muito devagar". Einstein especulou que o espaço vazio estava imbuído de uma energia antigravitacional, a constante cosmológica, que explicaria por que o Universo se manteria estático em vez de implodir em sua própria gravidade. Só depois é que o astrônomo Edwin Hubble descobriu que o Universo não é estático, e estava se expandindo.
A mecânica quântica moderna sugere que o espaço vazio deve mesmo estar imbuído dessa estranha energia, mas a possibilidade de que a energia escura seja na verdade a constante cosmológica de Einstein gerou um caos filosófico. De acordo com os cálculos, a constante cosmológica deveria ser 1.060 vezes maior do que os astrônomos mediram; num Universo assim, estrelas, planetas e pessoas não existiriam. A única saída, argumentam alguns físicos e cosmólogos, seria presumir que o nosso Universo é apenas um de até 10.500 universos paralelos, nos quais as leis da física incidentalmente favorecem nossa existência.
Mas muitos outros estudiosos discordam amargamente dessa hipótese. Os novos resultados sobre aglomerados, combinados a medições de supernovas, oferecem as mais precisas medidas já feitas sobre a energia escura, diz Vikhlinin. Sua força difere em apenas 5% da prevista pela constante cosmológica. Mas ainda há espaço para outras teorias, e astrônomos se preocupam com a possibilidade de que as medidas jamais sejam precisas o bastante para provar ou negar a constante.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: +Marcelo Gleiser: O dia em que a Terra parou
Próximo Texto: +Marcelo Leite: Natal sem bacalhau
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.