São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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Cores e memórias

A sinestesia, habilidade de misturar os canais dos sentidos, pode ser boa para a cognição, diz cientista

DAVID ROBSON
DA "NEW SCIENTIST"

Todos nós temos a capacidade de passar por experiências de sinestesia ou essa habilidade do cérebro de misturar os sentidos é concedida, no nascimento, a uns poucos? Resutados recentes indicam que a resposta pode ser uma mistura das duas coisas.
A sinestesia parece estar por trás da memória dos chamados savants, pessoas de memória prodigiosa e de grande habilidade com números. A esperança é que uma compreensão melhor das origens desse fenômeno ajude a explicar essas características e, talvez, até mesmo esclarecer se nós todos temos a estranha capacidade de "ouvir cores" e "cheirar sons".
Acredita-se que a sinestesia surja quando conexões extras no cérebro cruzam as regiões responsáveis por diferentes sentidos. Para descobrir se os genes têm um papel importante no surgimento e na manutenção dessas conexões, uma equipe liderada por Julian Asher, da Universidade de Oxford, coletou amostras genéticas de 196 indivíduos de 43 famílias, sendo que 121 delis já tinham exibido sinestesia audiovisual. Nesses casos, eles conseguiam "enxergar" música. O estudo saiu no "American Journal of Human Genetics".
"Quando eu escuto um violino, eu vejo algo parecido com um bom vinho vermelho", diz Asher, que também é sinestésico. "Um violoncelo já lembra mais o mel", completa.
A partir da análise, sua equipe achou quatro regiões cromossômicas cujas variações genéticas pareciam estar relacionadas à sinestesia. Como uma das regiões já era associada ao autismo, pode existir um mecanismo genético comum por trás desse transtorno psiquiátrico e da sinestesia, diz Asher.

Azul da cor do dois
Então, se os genes predispõem algumas pessoas a desenvolver a sinestesia, isso significa que não seria possível induzir a experiência em qualquer pessoa?
Para investigar essa questão, a equipe de Rui Cohen Kadosh, do Imperial College de Londres, hipnotizou quatro voluntários. Por meio de sugestão verbal, os pesquisadores tentaram induzir os participantes do teste a enxergar algarismos como se existissem cores relacionadas a cada um deles -associação batizada como "sinestesia de cor e grafema".
No experimento, os voluntários tiveram então que olhar para uma série de imagens com fundo de cores diversas, nas quais um dígito impresso em preto aparecia no centro. Em aproximadamente 80% dos casos, assim como as pessoas sinestésicas, os voluntários hipnotizados não conseguiam ver os dígitos se a cor no fundo do slide correspondesse à cor que eles haviam associado com um número. Era como se os psicólos tivessem escrito com uma caneta azul sobre papel azul.
No experimento -descrito em estudo na revista "Psychological Science"- outras pessoas que não tinham sido hipnotizadas também foram instruídas a relacionar uma cor com cada número, mas não cometiam a confusão numérica.
"Isso mostra que, mesmo sem uma hiperconectividade no cérebro, você ainda pode ter sinestesias", diz Cohen Kadosh. O cientista afirma que a hipnose pode reativar conexões que tinham sido suprimidas pelo cérebro.

Habilidade adquirida
Julia Simner, da Universidade de Edimburgo (Escócia), tem mais evidências de que a sinestesia não é resultado de conexões neurais fixadas antes do nascimento. Ela estudou 615 crianças com idades entre seis e sete anos, sendo que oito delas revelaram ser sinestetas de cor e grafema. Em um ano, as crianças gradualmente associaram mais letras com cores, mostrando que a habilidade delas na verdade se desenvolveu com o tempo, afirma a cientista em artigo na revista "Brain".
Deveríamos todos então tentar desenvolver a sinestesia para adquirir as habilidades dos savants? "A sinestesia está fortemente ligada à capacidades de memória aprimorada, então seria definitivamente uma boa idéia pesquisar", diz Simner.
Já Asher é mais cauteloso, enfatizando que a sinestesia frequentemente distrai quem, por exemplo, está tentando ler ou prestar atenção numa palestra. Ele espera poder desenvolver um teste genético que consiga diagnosticar crianças e alertar os professores das suas dificuldades potenciais.


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