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Datação enterra tese sobre o 1º americano
Estudo diz que o chamado povo Clovis, considerado o ocupante ancestral do continente, é 450 anos mais novo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O caixão da teoria mais longeva já proposta sobre a ocupação das Américas acaba de receber seu último prego. Um estudo publicado hoje mostra
que os chamados sítios Clovis,
nos EUA, não só não são a mais
antiga evidência da presença
humana no continente como
nem ao menos têm a idade que
se achava que tivessem: são
quase meio século mais novos.
O paradigma Clovis First
("primazia de Clovis", em inglês) foi proposto por arqueólogos dos EUA a partir da década
de 1930. O modelo sustentava
que os avós dos índios eram caçadores de mamute que vieram
a pé da Ásia durante a Era do
Gelo -quando havia uma ponte terrestre entre os dois continentes- e se dispersaram rápido pela América do Norte e depois pela América do Sul.
A travessia teria ocorrido há
cerca de 11.500 anos, data de
um sítio no Novo México
(EUA) onde pontas de lança de
pedra características foram
achadas associadas a ossos de
mamute. O nome do sítio, Clovis, acabou batizando o povo
que teria inventado aquelas
pontas de projétil.
A falta de sítios mais antigos
que Clovis na América do Norte
e um certo imperialismo acadêmico dos arqueólogos americanos em rejeitar evidências
apresentadas por pesquisadores sul-americanos acabou
transformando a história dos
caçadores especializados de
mamute em paradigma.
O modelo jazia insepulto pelo menos desde o fim da década
de 1990. Naquela época, arqueólogos dos próprios EUA
começaram a reconhecer a validade de sítios mais antigos
que Clovis na América do Sul e
até mesmo nos EUA.
Um deles, Monte Verde (na
Patagônia Chilena), tem 12.500
anos e é hoje universalmente
reconhecido como a mais antiga ocupação humana das Américas, embora outros ainda
mais antigos continuem disputando esse posto.
Não é preciso ser um grande
matemático para perceber que,
se os humanos alcançaram a
Patagônia (a última porção de
continente a ser ocupada pelo
Homo sapiens) há 12.500 anos,
a primeira ocupação não poderia datar de 11.500 anos.
"Há claramente uma mudança, [mas] o paradigma ainda
tem alguns proponentes que
não largam o osso", disse à Folha Tom Dillehay, arqueólogo
da Universidade Vanderbilt
(Tennessee, EUA) que estudou
e datou Monte Verde.
Revisão
Mas mesmo esses proponentes indemovíveis deverão ter
dificuldade para se explicar depois do estudo que os americanos Michael Waters e Thomas
Stafford Jr. publicam na capa
da edição de hoje da revista
científica americana "Science"
(www.sciencemag.org).
Waters, da Universidade
A&M do Texas, e Stafford, dono do laboratório de datação
mais respeitado dos EUA, resolveram revisitar os sítios Clovis e datar seus materiais com
precisão, por meio de duas técnicas (medição do carbono-14 e
espectrometria de massa).
A dupla obteve datações para
25 sítios escavados nos anos
1960 e 1970, quando a tecnologia ainda não era tão avançada.
O tira-teima revelou, primeiro, que a cultura Clovis é bem
mais jovem do que se imaginava: ela começou há 11.050 anos.
E não durou mais do que 300
anos, tendo se extinguido por
volta de 10.800 anos atrás.
Migração de idéias
Segundo Waters, uma duração tão curta tornaria impossível a essa cultura ter se dispersado por 14.000 km de continente americano.
"Não faz nenhum sentido antropológico que esse povo pudesse se mover tão depressa",
afirmou Waters em um comunicado à imprensa. "Isso sugere
que populações humanas já estavam no Novo Mundo antes
de Clovis", escreveu.
Waters propõe que a dispersão rápida dos artefatos Clovis
tenha sido análoga à de outras
grandes invenções americanas,
como o jeans e o iPod: o produto original (no caso, uma tecnologia para fabricar pontas de
lança que eram superiores às
existentes antes de Clovis) era
tão bom que simplesmente
passou a ser fabricado em outras regiões -sem que seus inventores precisassem, eles próprios, ocupar a América toda.
Dillehay diz que considera o
estudo bem-vindo, mas que
seus autores não fizeram nada
mais do que se curvar aos fatos.
"Depois que a preponderância
dos dados alcançou Waters e
Stafford, eles quiseram dar um
passo à frente e dizer o que outros têm dito e demonstrado há
30 anos", alfineta.
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