São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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GENÉTICA

Troca em uma única "letra" do DNA aumenta em seis vezes tendência a desenvolver o mal, afirma grupo da USP

Mutação multiplica o risco de Alzheimer

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

Uma pequena variação num gene, que poderia multiplicar por seis o risco de desenvolver o mal de Alzheimer, foi encontrada numa pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP. Se observações num grupo maior de pacientes confirmarem o estudo, a variante do gene pode se tornar o maior fator de risco já identificado para a doença, que é incurável e afeta 1,2 milhão de pessoas (principalmente idosos) no Brasil.
"Os testes ainda são preliminares, mas pretendemos confirmá-los em breve", disse à Folha o biólogo Pedro Edson Moreira Guimarães, 25, durante o 48º Congresso Nacional de Genética, que terminou na última sexta-feira em Águas de Lindóia, São Paulo.
Guimarães pertence a um grupo da USP que investiga a relação entre doenças neurológicas comuns, como o mal de Alzheimer e a esquizofrenia, e pequenas alterações no DNA humano.
Essas mudanças são conhecidas como SNPs (pronuncia-se "snips"), sigla em inglês para polimorfismos de nucleotídeo único. Os nucleotídeos são as bases ou "letras" químicas A, T, C e G que formam, agrupadas em pares, o DNA. Um polimorfismo significa que uma única letra é trocada -um A por um G, por exemplo- em algum ponto do DNA.
Parece uma mudança insignificante, em especial quando se considera que há três bilhões de pares de "letras" no DNA humano. Mas esse tipo de troca discretas na molécula, que serve de receita para fazer as proteínas do organismo, pode modificar o produto final. E causar uma bagunça das grandes.
"Nesse trabalho, nós usamos dados sobre os genes humanos que haviam sido levantados pelo projeto Genoma do Câncer", afirma Guimarães. De acordo com o biólogo, as informações obtidas pelo programa cobrem bem diversos genes -não só as sequências genéticas foram mapeadas, mas mas também suas diversas versões na população.

Regeneração
Entre esses genes, o que interessava aos cientistas estava envolvido na capacidade de recuperação dos axônios, as "caudas" dos neurônios (células nervosas).
"Estima-se que um paciente com Alzheimer perca de 5% a 10% dos seus neurônios a cada ano, ou seja, deve haver uma ligação entre as duas coisas", afirma o pesquisador da USP. Além disso, o gene é produzido de forma bem mais intensa no córtex cerebral -a região afetada pela doença.
Pensando em todas essas características, o grupo trabalhou em parceria com o Hemocentro da USP de Ribeirão Preto (SP), analisando amostras de 60 pacientes portadores de Alzheimer. O DNA dos doentes era vasculhado em busca dos SNPs, enquanto esses dados eram comparados com os de 150 pessoas sadias.
O exame revelou que a presença dos polimorfismos era seis vezes maior entre os pacientes de Alzheimer. "Já seria o maior fator risco para Alzheimer conhecido", diz Emmanuel Dias Neto, orientador da pesquisa. O fator de risco mais potente descoberto até hoje apenas triplica a possibilidade de desenvolver o mal.
"Isso só mostra que nós estamos lidando com uma doença que é causada por uma série de fatores complexos", diz Guimarães. O trabalho tem apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Abadhs (Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog Silva) e supervisão clínica do psiquiatra Wagner Gattaz, da USP.


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