São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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CLIMA 1

Estudo sugere que efeito estufa deve causar emissão de carbono estocado no solo da tundra, agravando o problema

Ártico é bomba-relógio, afirma pesquisa

FERNANDA CALGARO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma pesquisa conduzida ao longo de mais de 20 anos e que acaba de ser concluída revelou que a tundra, ecossistema de vegetação rasteira do Ártico, deve virar mais uma fonte de carbono para a atmosfera no futuro devido ao aquecimento global.
Estima-se que o carbono armazenado no solo da tundra represente um terço do estoque global e seja equivalente a dois terços da quantidade existente na atmosfera. Uma liberação repentina desse estoque agravaria ainda mais o desastre mundial previsto pelos cientistas com o efeito estufa, fazendo a temperatura média do planeta em 2100 subir além dos mais de 2C estimados.
O estudo consistiu na fertilização do solo com nitrogênio e fósforo, elementos importantes para o desenvolvimento da vegetação, numa estação de pesquisas no Estado americano do Alasca.
Na experiência, desenvolvida para simular o aumento na quantidade de nutrientes disponível no solo que ocorre com a elevação de temperatura, as plantas cresceram melhor e armazenaram mais carbono -algo que os pesquisadores já previam-, mas quantidade significativa do carbono do solo foi perdida para a atmosfera.
O experimento, publicado hoje na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), foi conduzido pela equipe da pesquisadora Michelle Mack, da Universidade da Flórida, nos EUA.
A fertilização foi a maneira encontrada para reproduzir o que aconteceria com o aquecimento da atmosfera, já que não seria possível elevar a temperatura de fato na área do experimento.
O solo cheio de nutrientes fez com que as plantas da tundra se desenvolvessem mais, "seqüestrando" assim mais dióxido de carbono da atmosfera para fazer a fotossíntese e fixando o carbono nas raízes e nas folhas.
No entanto, a mesma fertilização também aumentou a atividade das bactérias do chão, que passaram a decompor matéria orgânica em ritmo acelerado. O que se observou foi uma perda significativa do carbono do solo para a atmosfera -2 kg por metro quadrado ao longo de 20 anos.
A perda de carbono e nitrogênio de camadas mais profundas do solo para a atmosfera foi substancial e superou a fixação daquele elemento pelas plantas.

Efeito estufa
E no contexto de aquecimento global, quanto mais dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, mais se agrava o efeito estufa, que é o fenômeno decorrente da alta concentração de gases como o CO2 e o metano (CH4), que formam uma "capa" em torno da Terra. Esses gases têm a capacidade de absorver a radiação infravermelha (calor) emitida pelo planeta, impedindo que ela se dissipe e elevando a temperatura da Terra.
Até agora, achava-se que a tundra fosse uma solução para o problema. A expectativa dos pesquisadores era que maiores concentrações de gás carbônico e maiores temperaturas fossem estimular as plantas do Ártico, transformando toda a região num "ralo" para o carbono em excesso lançado na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis.
"Essa pesquisa é extremamente importante, pois mostra que às vezes o senso comum não funciona quando lidamos com complexos ecossistemas terrestres", afirma o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo.
O mecanismo da perda de carbono do solo ainda não é claro. Uma das hipóteses é que tenha havido um aumento da taxa de decomposição de material orgânico pela ação acelerada das bactérias do solo, mais eficazes quando há mais nutrientes, como o nitrogênio. "O próximo passo será entender o porquê de o nitrogênio ter um efeito tão forte sobre essas bactérias", afirmou Mack.


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