São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Mulher-árvore

Em seu livro "Inabalável", a queniana Wangari Maathai conta a trajetória de um projeto que rendeu o primeiro Prêmio Nobel da Paz para uma questão ambiental

Associated Press
Wangari Maathai, atual ministra do Meio Ambiente do Quênia, recebe cumprimentos pelo telefone após ser laureada


GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

E m 2004 ela se tornou conhecida em todo o mundo como a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz. Seus feitos ambientais e políticos pela preservação de florestas do Quênia realizados por meio de seu Movimento Cinturão Verde foram noticiados em todo o mundo, mas Wangari Maathai, hoje com 67 anos, sentia que não tinha contado tudo.
Se com o prêmio o mundo conheceu seus esforços para recompor a floresta em volta de comunidades rurais e, ao mesmo tempo, gerar empregos para as mulheres dessas comunidades, poucos sabiam como ela chegou lá.
As origens da "mulher-árvore", suas motivações, sua luta contra um governo corrupto que mandou prendê-la diversas vezes por conta de seu ativismo ambiental, contra a pobreza e em defesa da mulher aparecem agora em seu "Inabalável", autobiografia recém-lançada no Brasil pela editora Nova Fronteira. Ecologicamente correta, a obra sai em papel reciclado.
Hoje ministra do Meio Ambiente, ela literalmente começa sua história do começo, com seu nascimento em 1940 em uma tribo quicuia no Quênia então dominado pelos britânicos. Numa época -ela faz questão de frisar- em que a terra era abundante, "coberta de arbustos, trepadeiras, samambaias e árvores". É o gancho para comentar, centenas de páginas (e algumas décadas) depois, a devastação que a região viria sofrer com a agricultura.
A narrativa, no entanto, dá impressão de demorar a engrenar. Em um discurso cronológico, ela mistura suas histórias com a do próprio país e da África. De um lado a transformação de menina do interior em professora universitária e pesquisadora, depois em ativista ambiental e por fim em política.
Do outro a cristianização de seu país sufocando as tradições culturais do povo, a posterior declaração de independência das colônias africanas, os abusos do novo governo. Por fim, os dois se juntam com sua chegada no ministério.
Há quem compare essa trajetória com a da ministra Marina Silva. "Ambas nasceram em comunidades rurais, tornaram-se ambientalistas devido a uma questão de sobrevivência social, lutaram para obter educação superior, ganharam o prêmio ambiental internacional Goldmann nos anos 90, se elegeram para o Congresso de seus respectivos países e, finalmente, assumiram recentemente um cargo governamental", escreveu em 2004 o ambientalista Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra.
Depois de uma infância sem nem sequer luz elétrica, Wangari teve a chance de estudar com mais infra-estrutura. Deu a sorte de se formar na escola secundária justo no ano em que o Quênia fechava um acordo em que enviaria estudantes para graduação nos EUA.
Em 1960 ela desembarcou em Nova York, chegada que comparou a "desembarcar na Lua". Nos seis anos que passou nos país, se formou em biologia no Kansas, e depois fez mestrado na Universidade de Pittsburgh. Retornou ao Quênia com ideais americanos de liberdade, logo após seu país ter declarado independência do Reino Unido.

Início da revolução
O momento de volta representou em vários aspectos uma retomada das origens. O confronto religioso de nascer em uma tradição e ser aculturada por outra, por exemplo, havia gerado uma confusão de identidade. Apesar de ter recebido o nome Wangari de seus pais, por anos ela foi chamada de Miriam, o nome cristão que recebeu ao ser batizada por uma das ordens religiosas que foram catequizar o Quênia. Virou Mary Josephine quando resolveu adotar o catolicismo e só ao voltar para o Quênia reassumiu o Wangari Matu (Maathai viria depois com o casamento).
Como pesquisadora da Universidade de Nairóbi, viu no começo dos anos 1970 rios assoreados, substituição de mata nativa por plantações de chá e café, ameaças à pecuária tradicional do país. Não tardou para que aderisse a instituições como o Conselho Nacional de Mulheres do Quênia. Dali para a criação do Movimento Cinturão Verde foi um pulo.
Mas até que ele se fortalecesse e se tornasse internacional, Wangari foi demitida da universidade e presa algumas vezes pelo governo que combatia. Como sugere o título do seu livro, ela não se abalou e já deixou um legado de mais de 30 milhões de árvores plantadas.

LIVRO - "Inabalável"


Wangari Maathai; Editora Nova
Fronteira; 375 págs., R$ 49,9



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