São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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Se espirrar, saúde

Cientistas correm para desenvolver uma vacina universal contra a gripe, mas esbarram na "criatividade" do vírus

Kirill Sirotyuk - 13.mai.09/France Presse
Funcionária de laboratório segura amostra de vírus de gripe suína para produção de vacina em São Petersburgo, Rússia


ANDREW POLLACK
DO "NEW YORK TIMES"

D uas injeções de vacina contra sarampo durante a infância protegem uma pessoa pela vida toda. Quatro doses de vacina contra poliomielite também. Mas vacinas contra a gripe precisam ser tomadas todos os anos. E, mesmo assim, fornecem proteção incompleta.
A razão é que o vírus influenza sofre mutações muito mais rapidamente do que outros vírus. Uma pessoa que desenvolve imunidade a uma linhagem do vírus não está protegida de uma linhagem diferente.
Isso promete ser um dos principais problemas à medida que o mundo se prepara para uma possível pandemia de gripe suína no segundo semestre. É impossível saber quantas pessoas podem morrer antes de uma vacina adequada a essa linhagem ser manufaturada.
Mas cientistas e fabricantes de vacina estão trabalhando duro em uma vacina "universal" contra a gripe, que poderia proteger contra todas as linhagens da doença.
"A "universal" mudaria complemente a maneira com que a vacinação contra a gripe seria feita", diz Sarah Gilbert, especialista em vacinas da Universidade de Oxford (Reino Unido). "Quanto mais cedo tivermos uma vacina universal, melhor, porque poderemos parar de nos preocupar sobre quando será a próxima pandemia."
Uma vacina assim acabaria com os chutes que ocorrem hoje todo início de ano quando cientistas decidem quais linhagens devem ser incluídas na vacina sazonal para o inverno seguinte. Se o chute está errado, a vacina é menos eficaz.
E isso também tornaria a imunização viável em países que hoje não têm como bancar programas anuais. A gripe sazonal contribui para a morte 500 mil pessoas todos os anos.
Infelizmente, a vacina universal não estará pronta a tempo de combater a pandemia da nova gripe suína. As vacinas mais avançadas passaram apenas por pequenos testes.
Na verdade, as vacinas universais desenvolvidas até agora não previnem as infecções totalmente. Elas só limitam a gravidade e a dispersão da doença. Alguns especialistas dizem que isso basta, mas outros têm dúvidas.
"Isso não vai substituir a vacina sazonal de gripe", disse Robert Belshe, do centro de desenvolvimento de vacinas da Universidade de Saint Louis.
Alguns pesquisadores dizem que reforço da vacina ainda seria necessário a cada dez anos. Também não está claro se ela seria capaz de proporcionar proteção contra todas as cepas, incluindo as de origem animal.
Quando alguém é vacinado ou infectado, o sistema imunológico cria anticorpos que atacam principalmente uma proteína na superfície do vírus chamada hemaglutinina. Mas essa proteína é a parte que muda mais rápido no vírus, então os anticorpos de uma cepa podem não reconhecer outra.
Uma vacina universal teria de estimular um ataque do sistema imunológico a uma parte do vírus influenza que não varia de cepa para cepa.

Escondidas
O problema é que a maioria das proteínas que não variam muito estão no interior do vírus, fora do alcance de anticorpos. Mas há uma proteína interna, chamada M2, que desponta um pouco. Esse pedaço externo não é um grande alvo para anticorpos, mas é o foco da pesquisa de vacina universal.
"O truque é que você precisa ter um sistema que produzirá uma resposta imunológica robusta contra esse nadinha de proteína", disse Alan Shaw, presidente da VaxInnate, empresa que tenta desenvolver uma vacina universal que combine a parte externa da M2 com uma proteína bacteriana que estimule o sistema imune.
A VaxInnate, a Merck e a Acambis, de propriedade da Sanofi-Aventis, fizeram cada uma delas um pequeno teste das suas vacinas de M2 em voluntários saudáveis. As pessoas vacinadas produzem anticorpos contra a M2. Mas estes não evitam totalmente a infecção. Será preciso fazer testes muito mais amplos para ver se essas vacinas realmente amenizam a doença durante uma temporada de gripe real.
Outra questão é que a proteína M2 dos vírus animais pode ser um pouco diferente da dos vírus humanos. Isso levanta questões sobre o quão bem uma vacina de M2 funcionaria contra a nova gripe suína.
Neste ano, duas equipes de pesquisadores relataram ao mesmo tempo que poderia haver uma outra região não-variante do vírus. Ela está no "palito" da proteína hemaglutinina, que tem forma de pirulito.
Um dos grupos mostrou que anticorpos isolados a partir de sangue humano que se ligaram a essa parte da proteína protegiam camundongos contra muitas cepas de gripe, incluindo a gripe espanhola de 1918.
Mas especialistas dizem que será muito difícil isolar essa parte da proteína para fabricar uma vacina, ou fabricá-la por meio de engenharia genética.
Uma alternativa poderia ser a utilização dos próprios anticorpos como medicamento, apesar de anticorpos serem caros para fazer e consumirem muito tempo para serem administrados aos pacientes.
As nucleoproteínas do vírus podem ser um alvo potencial para futuras vacinas. Porém, anticorpos não podem chegar até essa proteína para evitar a infecção. Então, a ideia é estimular outros soldados do sistema imunológico, as células T, para que eles rapidamente matem as células infectadas antes que elas façam novos vírus.
Finalmente, os melhores resultados poderão surgir da combinação de técnicas. A Dynavax, empresa de biotecnologia da Califórnia, espera iniciar um teste em 2010 com uma vacina desenhada para estimular anticorpos contra M2 e células T contra nucleoproteínas.


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