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+ MARCELO GLEISER
A emoção do não-saber
Nossa ciência, pela realidade que percebemos, é incompleta
O
objetivo da física é interpretar
o mundo à nossa volta. Essa
afirmativa parece simples
mas, quando analisada em detalhe, vê-se logo que existem várias qualificações a serem feitas.
Para começar, que mundo é esse "à
nossa volta"? Essa questão está relacionada com nossa definição de realidade. Como estabelecer o que é real?
Certamente, antes de querer interpretar a realidade, temos de saber o que
estamos interpretando.
Uma pedra, quando largada de uma
certa altura, cai em direção ao chão.
Esse é um fenômeno claro, dado que
podemos ver a pedra caindo e, assim,
medir seu tempo de queda, como este
varia com a altura inicial da pedra,
com sua velocidade inicial etc. Mas
nem todos os fenômenos que ocorrem
são assim tão simples.
Micróbios também estão caindo,
mesmo que não possamos vê-los. O
ponto aqui é que a definição de realidade, do que a física "mede", depende
do que podemos ver. E o que podemos
ver, por sua vez, depende dos instrumentos que usamos para ampliar nossa percepção da realidade.
A conseqüência desse raciocínio é
simples: jamais poderemos ter uma
descrição completa da realidade, pelo
simples fato que jamais poderemos
"vê-la" por inteiro. Estamos condenados a uma visão míope do real.
Conseqüentemente, nossa ciência,
enquanto descrição da realidade que
podemos perceber, é necessariamente
incompleta. Isso pode ser um choque
para aqueles que acham que a ciência
é dona da verdade absoluta ou que os
cientistas sabem tudo. Grande ilusão.
Sabemos aquilo que podemos averiguar sobre o mundo. O mundo, ou melhor, o Universo, seja ele macro ou micro, é bem mais amplo do que o que
podemos medir.
Mas é justamente essa limitação
que torna a pesquisa em ciência emocionante. Sabemos que um pouco
além reside o desconhecido. E que esse além estará sempre lá. Estamos
sempre descobrindo algo de novo,
muitas vezes inesperado, sobre o
mundo. Ou, se nada de novo aparece,
estamos sempre aprimorando as teorias e modelos que já tínhamos, baseados em medidas melhores e mais precisas. Existe uma sinergia entre o que
podemos observar e a nossa descrição
da natureza.
Quanto mais poderosos nossos instrumentos, mais longe enxergamos:
seja na direção de galáxias a bilhões de
anos-luz de distância, seja na direção
do muito pequeno, muito além do núcleo atômico.
Acabo de visitar a maior máquina
do mundo, o acelerador de partículas
chamado LHC, do inglês "Large Hadron Collider" (Grande Colisor de Hádrons). Hádron é o nome genérico dado a partículas que interagem entre si
por meio da força nuclear forte, a
mesma que mantêm o núcleo atômico
coeso, apesar da repulsão elétrica dos
prótons. Uma colaboração de mais de
35 países, inclusive o Brasil, o LHC
consiste num túnel circular de 27 km
enterrado a 100 m de profundidade,
perto de Genebra, na Suíça. Ele será
inaugurado no ano que vem.
Sua função é acelerar prótons em
direções opostas e colidi-los a velocidades próximas à da luz. Com isso, sua
energia é transformada em matéria
(da fórmula E=mc2), e novas partículas são forjadas. O LHC é uma espécie
de microscópio gigante, o maior já
construído, que permitirá uma visão
totalmente nova do mundo do muito
pequeno. É seguro afirmar que muitas
surpresas vão ocorrer.
Conversei com o físico teórico John
Ellis, que deverá visitar o Rio em agosto, sobre o experimento. "E se suas
teorias estiverem erradas?" perguntei. "Ah, acho difícil", disse ele. "Mas
seria fantástico! Imagine só o quanto
aprenderíamos sobre o Universo."
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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