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Brasil quer impedir recuos, diz ministro
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A prioridade do Brasil na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), em Johannesburgo (África do Sul), é confrontar os países desenvolvidos em dois aspectos: impor a discussão sobre a pobreza e a ordem econômica mundial e impedir a tentativa explícita, liderada pelos Estados Unidos, de retroceder em
alguns pontos centrais da Eco-92.
Quem diz isso é o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, para quem o Brasil tem bala na agulha para enfrentar a pressão dos países ricos. Além de o
país ter a maior biodiversidade do planeta, o presidente Fernando
Henrique Cardoso vai falar no encontro de chefes de Estado, no final da conferência, nos primeiros dias de setembro, com a delegação dos 33 países da América Latina e do Caribe.
Os dois recuos que o Brasil teme em relação à Eco-92 são: 1) na responsabilidade diferenciada dos países pelo financiamento e pelas medidas de desenvolvimento sustentável; e 2) na repartição de benefícios das matérias-primas naturais entre os países que as produzem e os que as comercializam.
"Todos os países têm responsabilidade, mas só os EUA são culpados por 25% da emissão de gases que provocam o efeito estufa. A responsabilidade, portanto,
tem de ser diferenciada, não pode ser igual à do Uruguai ou à do
Brasil. Por que seria?", disse Carvalho à Folha, anteontem.
Horas depois, ele participou do anúncio oficial, no Planalto, do
novo parque de Tumucumaque, que passa a ser o maior de florestas tropicais do mundo e um dos troféus brasileiros na Rio +10, para mostrar que o país "está fazendo a lição de casa".
No caso da repartição de benefícios, Carvalho foi curto e grosso:
"É inegociável". A questão é especialmente sensível para o Brasil,
que é ambiente natural de plantas,
raízes e várias espécies naturais
que são colhidas na Amazônia,
por exemplo, e utilizadas em medicamentos ou perfumes no exterior, gerando bilhões de dólares
em receitas para grandes indústrias multinacionais.
"É preciso que o país e as comunidades locais de onde são retiradas tenham participação nesse lucro", diz ele, batendo numa tecla
de anos no Brasil, que assinou a
Convenção de Biodiversidade e
tem uma medida provisória do
governo garantindo a remuneração dos locais e das comunidades.
O receio de retrocesso não é à
toa. Ao contrário, os EUA já até
apresentaram proposta formal
contrária ao artigo 85 (sobre a repartição de benefícios) do Plano
de Implementação, o principal
texto em discussão na conferência, nas quatro reuniões preparatórias patrocinadas pela ONU
(Organização das Nações Unidas)
para a Rio +10. E tiveram apoio
tácito da UE (União Européia).
Carvalho não esconde que recebeu com alívio a decisão do presidente norte-americano George
W. Bush de não ir a Johannesburgo e enviar em seu lugar o secretário de Estado, Colin Powell: "O
Bush assumiu desde o início uma
posição francamente retrógrada e
reacionária em relação a questões
ambientais. O Colin Powell tem
uma posição mais pró-ativa", disse o ministro, engenheiro florestal, que completa 50 anos no dia 5 de setembro.
Origem da miséria
Quanto ao debate sobre a pobreza, EUA e União Européia têm
uma posição distinta. Os norte-americanos tentam difundir a
idéia de que não se deve discutir a
questão num fórum sobre ambiente. Já os europeus concordam
que o tema é obrigatório.
Para o Brasil, não é possível discutir desenvolvimento sustentável sem entrar no espinhoso debate sobre "a origem da miséria, que não é local nem regional, mas tem profunda origem na injusta e inadmissível ordem mundial", como disse Carvalho.
"Sem discutir os desequilíbrios regionais, de renda, entre nações,
Estados do mesmo país e pessoas, vai se eternizar a velha prática filantrópica nesse tipo de encontro. Isso nós não queremos", acrescentou Carvalho, afirmando que "não é à toa" que a Rio +10 será na África -um dos mais pobres
continentes do mundo.
Ele destaca que ficou acertado na Eco-92 que os países desenvolvidos usariam 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) para ajudar os países em desenvolvimento. Em 92, esse percentual era de 0,4%. Dez anos depois, em vez de aumentar, diminuiu para 0,22%.
É por essas e outras que Carvalho admite "um certo pessimismo" para a conferência de Johannesburgo e diz que o mais importante vai ser estabelecer metas e plataformas de ação. E sem jogar a toalha: "Sempre pode haver
uma surpresa", disse.
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