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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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DESASTRE EM ALCÂNTARA

Em 2 fracassos anteriores com foguetes VLS, Aeronáutica reuniu grupo independente da agência espacial para investigar causas

Governo deve criar comissão independente

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Aeronáutica deve formar uma comissão para investigar as causas da explosão que destruiu o terceiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) e matou pelo menos 21 pessoas, às 13h30 de anteontem, no Centro de Lançamento de Alcântara (MA).
O procedimento adotado tende a ser o mesmo que cercou as investigações das outras duas falhas do VLS-1, ocorridas em 1997 e 1999. Nas ocasiões, o Deped (Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento da Aeronáutica) estabeleceu uma comissão com membros do CTA (Centro Técnico Aeroespacial), do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) e militares da Aeronáutica.
"A mesma coisa deve acontecer desta vez", disse Luiz Gylvan Meira Filho, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). "Uma comissão independente da agência será estabelecida e, com muita calma, irá determinar o que saiu errado e corrigir o problema."
O ministro da Defesa, José Viegas, o da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, e o atual presidente da AEB, Luiz Bevilacqua, chegaram a Alcântara às 11h55 de ontem para acompanhar as investigações, que estão sendo iniciadas por equipes do CTA e da Aeronáutica. Uma entrevista coletiva estava prevista para as 17h, em São Luís (MA).
Luiz Bevilacqua, que também foi para Alcântara, está familiarizado com os procedimentos da comissão, pois participou da equipe que investigou a falha ocorrida em 1999.
Segundo o major Gustavo Krüger, do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Cecomsaer), há um sistema de câmeras que acompanha ininterruptamente os trabalhos na plataforma de lançamento. As investigações sobre o que teria ocorrido devem começar pela análise desse material em vídeo. Um inquérito já foi aberto para apurar os fatos.
As buscas pelos corpos das vítimas foram retomadas ontem, a partir das 6h, e o número final de mortes foi confirmado: 21.

Causas
A explosão que vitimou o protótipo do VLS-1 está ligada à tecnologia responsável pela ignição dos motores, supostamente a mais conhecida dos engenheiros brasileiros. As primeiras hipóteses sobre o que pode ter acontecido começaram a circular informalmente ontem no CTA e no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos (SP). Elas corroboram a informação divulgada anteontem de que o acidente teria ocorrido pelo disparo prematuro de um dos propulsores do primeiro estágio.
A explosão possivelmente provocou a desestabilização e a queda dos estágios superiores e a destruição da Torre Móvel de Integração, prédio-plataforma usado para montar e preparar o foguete.
Ainda não se sabe a razão que levou à ignição prematura, mas entre as possibilidades estão falha humana na operação, problemas com o combustível sólido usado no VLS-1 ou um defeito no sistema pirotécnico, responsável pela reação que acende os propulsores e inicia a queima do combustível.
"Pirotecnia é uma coisa que o Brasil domina há pelo menos cem anos", diz Luiz Gylvan Meira Filho, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). "No tempo de Dom Pedro, o país já fabricava e controlava pólvora."
O sistema empregado no VLS-1 é muito mais complexo que qualquer rojão. Ainda assim, é uma das tecnologias mais simples do projeto brasileiro. "Ironicamente, foi a que apresentou falhas nos dois primeiros lançamentos do VLS", diz Gylvan.
As duas tentativas anteriores de lançamento ocorreram enquanto Gylvan ainda era presidente da agência. Na primeira, um dos propulsores do primeiro estágio não funcionou. Na segunda, houve um problema na separação dos estágios. Mas a perda dos veículos se deu no ar, sem vítimas.
O VLS-1 é o único objetivo nacional ainda não realizado para a Missão Espacial Completa Brasileira (o lançamento de um satélite brasileiro, por um lançador nacional, de uma base localizada no país). Criado em 1980, o foguete é composto por quatro estágios ("andares"), todos abastecidos por combustível sólido.
O pó que alimenta a subida do foguete é de manipulação simples. Uma vez iniciada a combustão, porém, ela não pode ser interrompida. A terceira tentativa de lançar o VLS-1 ocorreria amanhã, com os satélites Satec-1 (do Inpe) e Unosat (da Universidade Norte do Paraná). O foguete, com custo estimado em US$ 6,5 milhões, foi totalmente destruído.

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