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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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OPINIÃO

Os responsáveis pelo atraso na pesquisa espacial

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A explosão do foguete na base de Alcântara exige uma profunda análise das suas causas. Acidentes durante os lançamentos não são motivo para que seja abandonado o programa espacial de 42 anos que, apesar de muito atrasado, já deu alguns poucos excelentes resultados, em particular, na realização do projeto do Satélite de Coleta de Dados (SCD-1), primeiro satélite com tecnologia nacional, lançado com foguete estrangeiro.
Nesse período, uma das decisões mais sábias ocorreu durante o governo de José Sarney, quando foi assinado o acordo de cooperação com a China para a construção de dois satélites de sensoriamento remoto, os "China-Brazil Earth Resources Satellites" (CBERS, Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres), lançados pelos foguetes chineses da série Longa Marcha.
O que nos falta é um lançador de satélites. O projeto desse lançador brasileiro, o VLS (Veículo Lançador de Satélites), aprovado no Segundo Seminário de Atividades Espaciais, em novembro de 1979, no âmbito da chamada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), ficou a cargo do Instituto de Atividades Espaciais (IAE) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), assim como o Centro de Lançamentos.
Depois de 20 anos, um intervalo longo demais para um projeto dessa natureza, tendo em vista o rápido desenvolvimento das tecnologias espaciais, foi feito um primeiro teste em 2 de novembro de 1997.
Um segundo ocorreu em dezembro de 1999 e, finalmente, foi preparado um terceiro, que seria lançado quase quatro anos depois, que não chegou a ser efetivado em virtude da explosão do foguete ainda na torre de lançamento, provavelmente em consequência de falha humana.
Qual o motivo desses 20 anos para iniciar o programa? Ausência de incentivo por parte do governo, que não deu o apoio necessário às pesquisas.
Na realidade, os três acidentes deveriam ter ocorrido pelo menos no fim dos anos 1980, ainda no período do regime militar. Os satélites SCD, concluídos com atraso no início da década de 1990, deveriam ter sido lançados pelo VLS. Não foram. Pagou-se o preço de dois VLS para lançar cada um deles.
O mais grave foi a preparação do lançamento do terceiro protótipo do VLS. De maio a outubro de 2002, a direção do CTA reduziu a jornada de trabalho para encurtar os gastos com alimentação e energia elétrica, na tentativa de viabilizar o lançamento do VLS.
Nesse período, às terças e quintas-feiras os funcionários começavam a trabalhar a partir das 13h. Nas sextas-feiras, o expediente ia das 7h30 às 12h.
Tudo isso para que o projeto não tivesse uma parada. O presidente da República na época, Fernando Henrique Cardoso, bloqueou a verba destinada ao projeto. Apesar da contribuição ter sido aprovada no Congresso, o governo manteve o bloqueio que atingiu também a Marinha e o Exército. Situação agravada com a fuga de engenheiros especializados em virtude dos salários: um doutor recebe um salário de R$ 2 mil por mês.
Àqueles que permanecem, por idealismo, só resta uma sobrecarga de trabalho e uma insegurança financeira causadora de estresse, decerto o pior inimigo de um trabalho de tamanha precisão e responsabilidade.
O projeto não pode e nem deve ser abandonado. No entanto, é necessária uma revisão do programa, que deve estar defasado em relação às novas tecnologias espaciais que surgiram durante esse longo período. O Brasil já deveria estar dominando a tecnologia dos combustíveis líquidos, como a Índia, que possui lançadores e satélites de telecomunicação, espionagem etc.
Acidentes acontecem, mas estarmos tão atrasados em relação à Índia, que começou junto com o Brasil, só tem uma explicação: faltou o incentivo e a decisão política dos nossos governantes e políticos dos últimos quatro decênios.


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e ciências Afins do Rio de Janeiro, é autor de mais de 70 livros, entre eles "Astronáutica do Sonho à Realidade"

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