São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2007

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Cientista brasileiro paga até 10 vezes mais por material

Insumos importados demoram em média seis meses para chegar ao laboratório

Pesquisa apresentada ontem em encontro de biólogos quantificou pela primeira vez o impacto da burocracia nas importações

GIOVANA GIRARDI
ENVIADA ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

O pesquisador brasileiro que precisa importar insumos gasta em média três vezes mais -e em alguns casos dez vezes- do que o produto vale por causa de impostos e custos de estocagem em portos e aeroportos.
Esse foi um dos principais resultados de uma pesquisa que buscou quantificar pela primeira vez as dificuldades que os cientistas têm em trazer para o país ingredientes básicos para suas pesquisas. Os dados foram apresentados ontem durante a reunião anual da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), em Águas de Lindóia, interior paulista.
No levantamento, todos os pesquisadores ouvidos disseram ter necessidade de importar material para as suas pesquisas e também foram unânimes em dizer que, no mínimo, levam um mês para recebê-lo.
Os que conseguem começar a trabalhar neste prazo, no entanto, são minoria -apenas 17% dos cem entrevistados.
"Pela primeira vez conseguimos traduzir em números a angústia dos pesquisadores", explicou Mauro Rebello, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos organizadores da pesquisa.
A burocracia e o desempenho da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) continuam sendo, para a maioria, os principais entraves para a importação. Quase metade dos entrevistados (49%) pagaram em ágio três vezes o valor dos insumos importados. No caso de 11% deles, o valor foi de 10 vezes mais.
É o caso por exemplo de um participante do levantamento. Ele contou no questionário que ao comprar um produto que custava R$ 16, ele acabou gastando R$ 182. A maioria apontou ainda a ineficiência do sistema que deveria facilitar a vida do pesquisador, o Importa Fácil, do CNPq. O sistema permite importar sem pagar impostos, mas acaba não sendo muito útil, visto que não serve para material perecível, como enzimas. Só que esta é a necessidade de 67% dos entrevistados.
Na tentativa de driblar os muitos problemas, os pesquisadores tentam de tudo. "Já aprendi que em vez de colocar no formulário a palavra toxina, é melhor colocar que se trata de um peptídio sintético, aí passa", comentou um cientista meio revoltado durante a apresentação, que reuniu pouco mais de 30 cientistas e representantes do CNPq e da Anvisa.
"Na dúvida, eu comecei a trazer o que eu preciso pelo Fedex. Pago o dobro, mas é melhor do que gastar 8, 10 vezes mais", desabafou Gerhard Malnic, presidente da Fesbe. "Tem dia que passa, tem dia que não passa, depende da interpretação do fiscal. Agora, por exemplo, estou esperando uns anticorpos que ficaram presos. Me pergunto se ele sabe o que é isso."

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