São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

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Expedição tem Natal isolada em nevasca

Brasileiros explorando interior da Antártida enfrentam ventos de 90 km/h, que impedem ida de avião a acampamento

Equipe termina de escavar amostra de gelo com 100 metros de profundidade; ceia natalina do grupo será "sopão reforçado" à noite

Nupac/UFRGS
Marcio Cataldo prepara material de pesquisa no acampamento

MARCELO LEITE
ENVIADO ESPECIAL A PUNTA ARENAS

Um grupo de quatro pesquisadores da pioneira missão brasileira ao interior da Antártida passará o Natal muito longe de casa. Longe, até mesmo, do acampamento-base da Expedição Deserto de Cristal na área dos montes Patriot, a pouco menos de uma hora de vôo das imediações do monte Johns, onde se encontra o destacamento avançado.
A saída do grupo já atrasou em cinco dias e o tempo fechado, com ventos de até 90 km/h, deve continuar por pelos menos mais dois dias. Patriot e Johns estão a quase 6.000 km de Porto Alegre, onde fica o Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas (Nupac), organizador da expedição. Se o referencial for Brasília, sede do Proantar (Programa Antártico Brasileiro), a distância é 7.500 km.
Os dois locais de acampamento ficam na Antártida Ocidental, a cerca de mil quilômetros do pólo Sul e a mais de 2.000 da estação brasileira Comandante Ferraz, na ilha do Rei George, junto da península Antártica -quase um prolongamento da América do Sul.
O grupo se deslocou até Johns há duas semanas para escavar amostras de gelo (testemunhos) úteis no estudo do clima do passado. É composto por Jefferson Cardia Simões, glaciologista que lidera a Deserto de Cristal, Francisco Aquino e Luiz Fernando Magalhães Reis, os três da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e também por Marcelo Arevalo, da Universidade de Magalhães (Chile).
No acampamento-base em Patriot ficou a outra metade da equipe: Marcio Cataldo e Heitor Evangelista da Silva, ambos da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), mais Ulisses Franz Bremer e Rosemary Vieira, da UFRGS.
A turma em Johns enfrentou nos últimos dias rajadas mais suaves que a de ontem. O vento estava com 65 km/h e a sensação térmica era de 40C negativos. A altitude é de 2.115 metros, sobre uma camada de gelo de mais de mil metros de espessura. Eles têm alimentos para cerca de mais dez dias.
Como faz uma semana que o tempo está ruim na Antártida Ocidental, aumentam as chances de que melhore até lá. Mas não muito. Segundo informação de Cataldo, enviada anteontem por e-mail desde o acampamento-base, uma nova frente pode estar em formação no sul/sudeste. Se isso ocorrer, o tempo continuará ruim.
As más condições impedem tanto o vôo do avião bimotor turboélice Twin Otter, que deveria levar o grupo do acampamento avançado para a base, quanto do cargueiro quadrirreator Ilyushin-76TD, que deveria levar a equipe da Folha de Punta Arenas a Patriot, para se reunir aos pesquisadores. O esperado vôo deve ocorrer, com sorte, amanhã ou depois.

Noites brancas
"Hoje [segunda-feira] é sem dúvida o pior de uma seqüência de quatro dias de nevasca intensa", contou Cataldo na mensagem. "Nossa previsão é de que não haja vôo tão cedo. Já são 8 da "noite" aqui, e o tempo só piorou: ventos fortes com rajadas de mais de 70km/h e "whiteout" com visibilidade de menos de 20 metros."
"Não precisa ser meteorologista para saber que amanhã [ontem] ainda estará muito ruim." Com efeito, o Ilyushin não decolou de Punta Arenas.
As aspas em "noite" são uma alusão ao fato de que, na latitude dos montes Patriot (mais de 80 sul) e no verão antártico, o Sol nunca chega a se pôr. E "whiteout" poderia ser traduzido como "branco total", situação em que a neve soprada pelo vento apaga todos os traços da já pouco matizada paisagem.
"Mesmo que o tempo melhore, haverá necessidade de retirar neve da pista, trabalho lento, que possivelmente consumirá um dia", ressalva Cataldo.
"Acho muito difícil que o vôo de vocês chegue antes do dia 25, mas vamos torcer! Aqui quem dá o tom é o tempo, e quanto a isso não podemos fazer nada."
Cataldo se refere à pista de "gelo azul" sobre a qual pousa o Ilyushin, com rodas (e não com esquis, como o Twin Otter). É uma faixa plana com 3.000 metros, balizada por quatro funcionário da empresa ALE (Logística e Expedições Antárticas), dois em cada ponta.
O nome da expedição (Deserto de Cristal) também faz referência à ocorrência dessa formação no platô Antártico, a região central mais elevada do continente. Ali, ventos descem do platô em direção à periferia da Antártida varrendo toda a neve precipitada, expondo o gelo sob a superfície.


Colaborou EDUARDO GERAQUE


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