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O legado tóxico do texano
Políticas de George W. Bush incitaram a explosão do uso de carvão na China e tornaram quase impossível agir contra
a mudança do clima
BILL McKIBBEN
Dado o número
imenso de candidatos a "pior legado
da era Bush", pode
parecer uma perversidade eleger as centenas de
usinas termelétricas a carvão
que foram inauguradas em toda a China durante seu mandato. Mas, devido ao seu efeito
cumulativo, eu acho que elas
podem ser o que a história acabará reconhecendo. E elas são
um emblema do fracasso total
de George W. Bush em ajudar o
mundo a conter as emissões de
carbono no que pode ter sido o
último momento possível.
Quando Bush assumiu seu
primeiro mandato, a China (e a
Índia também) estava bem no
começo de seu grande salto
energético. A China vinha se
tornando paulatinamente mais
eficiente ao longo da década
anterior, à medida que indústrias estatais absurdas começavam a fechar. Mas ambos os
países estavam no rumo da verdadeira explosão de suas economias de exportação e da subsequente migração acelerada
de residentes das zonas rurais
para a cidade, o maior êxodo da
história humana.
O candidato óbvio, fácil e barato a motor dessa explosão
sempre foi o carvão mineral: a
China tem imensas reservas
dele, e o tipo de força de trabalho e de ligações ferroviárias
que tornam sua exploração relativamente fácil. Mas, no ano
2000, nós já sabíamos o bastante para concluir o quão perigoso seria se a China mergulhasse de cabeça no carvão.
George W., lembre-se, havia
prometido durante a campanha de 2000 que baixaria uma
"lei dos quatro poluentes" para
as termelétricas a carvão dos
EUA, forçando-as a começar a
reduzir o dióxido de carbono.
Mas Bush abandonou esse
plano semanas depois de assumir a Casa Branca, quebrando
as pernas de Christine Todd
Whitman, sua chefe Agência de
Proteção Ambiental, às vésperas de sua primeira viagem ao
exterior. Daquele dia em diante, não havia mais nenhuma
chance real de que o mundo
fosse fazer algum progresso
contra o carbono na era Bush.
Desculpa perfeita
A falta de ação dos EUA deu a
todas as outras pessoas que não
queriam mudar a desculpa perfeita para não fazer nada. Os
chineses podiam dizer com justiça que eles certamente não
deveriam ter de assumir a liderança -uma vez que eles queimam combustíveis fósseis havia pouco tempo, levará décadas até que eles sejam tão responsáveis pelo aquecimento
global quanto os EUA, independentemente de sua população ser muito maior.
E foi assim que a China seguiu o caminho mais fácil.
Qualquer pessoa que tenha ido
lá recentemente conhece o resultado: cidades sufocadas pela
fumaça do carvão, linhas de
transmissão serpenteando por
cada morro e vale no mesmo
sobe-e-desce hipnótico da própria Grande Muralha. E qualquer pessoa que leia as cifras
crescentes do carbono medido
pelos instrumentos no monte
Mauna Loa conhece a consequência maior: o mundo está
hoje acima até mesmo das mais
sombrias trajetórias de emissões delineadas por especialistas em políticas de clima.
Mas, mesmo para aqueles
que queriam fazer algo em relação ao clima -Europa e Japão-, a recusa dos EUA em se
engajar nas negociações significava que quase nada poderia
acontecer. Sim, o Protocolo de
Kyoto foi finalmente ratificado.
Mas, por causa da recalcitrância americana (que remonta à
era Clinton), esses países nunca foram fortes o bastante para
realizar muita coisa. Os oito
anos Bush viraram um interregno na política internacional
de clima. As delegações americanas sabotaram reuniões e
frearam qualquer proposta de
mudança real.
Não está claro se mesmo o
presidente mais bem-intencionado poderia ter tirado a China
de sua esbórnia carvoeira. Teria sido necessário um misto
sagaz de diplomacia, transferência de tecnologia e pressão
moral para colocá-los em uma
proa diferente. Mas mesmo
desvios sutis de rota no começo
da década teriam resultado em
muito menos dano do que o que
vemos hoje. Mas nunca saberemos, porque Bush não tentou.
Como resultado dessa má
conduta planejada, Bush deixa
Obama na pior posição possível
para fazer algo substancial em
relação ao carbono. Para começar, os chineses têm agora todas essas termelétricas a carvão, um enorme problema
mesmo que queiram fechá-las
todas. (E fechá-las é aquilo que
deve ser feito; se a Terra não
parar de queimar carvão até
2030, a concentração de CO2
em 350 partes por milhão vira
carta fora do baralho.)
E, como os chineses estão
produzindo agora tanto CO2
quanto nós, nosso lobby do carvão tem um argumento retórico poderoso para usar contra
qualquer ação efetiva dentro de
casa. Ouve-se isso o tempo todo nos canais de TV estatais
-um ou outro republicano de
algum Estado carvoeiro anunciar piamente que "não fará
bem à América abdicar de suas
emissões de carbono até a China fazer o mesmo".
Sentar para negociar com os
resultados desses oito anos será a maior tarefa ambiental de
Obama. Em dezembro, em Copenhague, americanos e chineses terão de ter recoreografado
inteiramente a dança venenosa
que têm ensaiado na última década. Se não conseguirem, será
nula a possibilidade de um
acordo que vire a mesa. q
Ah, e como o elemento mais
importante dessa virada de
mesa será sem dúvida encontrar uma maneira de compensar a China pelo custo de mudar para fontes de combustível
mais caras, a recessão em que
Bush nos deixa se transforma
em mais um obstáculo.
Se tivesse planejado avacalhar de propósito as chances de
lidar com o aquecimento global, Bush não poderia ter feito
um trabalho melhor.
BILL McKIBBEN é pesquisador-residente do
Middlebury College, em Vermont (EUA), e fundador da campanha 350.org. Este texto foi originalmente publicado na Grist.org
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