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Marcelo Gleiser
Solidão cósmica
De 1 milhão de mundos com vida, uma pequena fração terá vida multicelular
Nos últimos 15 anos, astrônomos confirmaram algo que
muitos cientistas e, antes deles, filósofos, suspeitavam: o Sol não é
a única estrela que tem planetas girando à sua volta. Os planetas nascem
juntamente com as estrelas, como
conseqüência da implosão gravitacional de nuvens ricas em hidrogênio,
hélio, oxigênio e muitos outros elementos. Ou seja, nosso Sistema Solar
não é especial, ao menos no que tange
ao fato de ter planetas e luas em órbita
de uma estrela central.
Vamos então supor que, em média,
as estrelas tenham ao redor de si em
torno de cinco planetas e um número
indefinido de luas. Claro, algumas vão
ter mais planetas, outras menos -ou
até nenhum planeta. Mas a suposição
é razoável dentro do que sabemos hoje. Como existem em torno de 200 bilhões de estrelas na nossa galáxia, a
Via Láctea, nossa suposição implica
que cerca de um trilhão de planetas,
um trilhão de mundos, circulem pela
nossa "vizinhança" cósmica. As aspas
são um lembrete de que por vizinhança quero dizer apenas a nossa galáxia,
com um diâmetro de 100 mil anos-luz.
Uma vizinhança aparentemente grande mas ínfima na escala cósmica, onde
existem algumas centenas de bilhões
de galáxias, cada qual com seus milhões ou bilhões de estrelas.
Desse trilhão de planetas em nossa
galáxia, talvez 1% esteja localizado na
"zona habitável", o cinturão que define a distância entre planetas e estrela
na qual é possível que exista água líquida: muito perto da estrela o calor
evapora a água; muito longe, o frio a
congela. No Sistema Solar, a Terra é o
único planeta na zona habitável. Mas
veja que mesmo essa regra é apenas
relativamente útil: Europa, uma das
luas de Júpiter -portanto, fora da zona habitável-, tem um oceano de
água salgada sob uma crosta de gelo
que cobre toda a sua superfície, como
um bombom com licor dentro, duro
por fora e líquido por dentro.
Desse 1% de planetas com água líquida, em torno de 10 bilhões em nossa galáxia, quantos podem ter desenvolvido vida? Ninguém sabe ao certo.
Porém, o que vemos aqui na Terra é
que a vida é extremamente criativa e
resistente: bactérias foram encontradas sob o gelo das calotas polares, ao
redor de chaminés submarinas onde a
água ferve e não existe luz ou oxigênio, e até mesmo em piscinas usadas
para resfriar reatores nucleares. Dado
que as mesmas leis da química e da física valem em todo o cosmo, não é absurdo supor, e, de fato, não vejo como
pode ser diferente, que as leis da bioquímica e da biologia também valham
em todo o Universo. Conseqüentemente, é muito provável que formas
de vida primitiva tenham aparecido
em outros mundos com água líquida.
Digamos que 0,01% dos mundos
com água líquida tenham vida, um em
cada 10 mil. Ficamos com 1 milhão de
mundos na Via Láctea com alguma
forma de vida primitiva. Quantos desses mundos desenvolvem seres multicelulares? Mais uma vez, ninguém sabe. Aqui na Terra, a vida permaneceu
unicelular por quase 2 bilhões de
anos. O pulo para seres multicelulares
é difícil. Para seres complexos, como
répteis ou mamíferos, maior ainda.
Portanto, desse 1 milhão de mundos
com vida, uma pequena fração terá vida multicelular. Qual? Ninguém sabe.
Digamos 0,01%, o que nos deixa com
cem mundos. Deles, talvez alguns tenham vida inteligente, um punhado
deles. Ou talvez apenas um, o nosso.
Difícil aceitar essa solidão cósmica.
Mas pelo que sabemos hoje, ela parece
ser inevitável. O que nos torna raros e
preciosos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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