São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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PERISCÓPIO

Por que o organismo não rejeita o feto

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Pelas proteínas paternas que encerra, o feto deveria ser rejeitado pelo organismo materno como corpo estranho ou enxerto. Assim não acontece e nesse fato o útero desempenha papel fundamental. Nele, tudo se acha favoravelmente disposto para impedir a rejeição do feto.
Durante a gravidez, os glóbulos brancos que, nesse período, se acumulam junto à placenta tornam-se menos ativos diante da interleucina 2, à qual deveriam prontamente reagir noutras oportunidades. Por isso, deixam passar sem ataque os antígenos paternos do trofoblasto que envolve o feto.
Além disso, o trofoblasto produz uma substância que estimula o desenvolvimento, no útero, de um tipo especial de linfócito que secreta uma substância que, bloqueando a interleucina 2, breca a ação das células de defesa contra proteínas estranhas.
Por que haveria de existir material paterno no trofoblasto? O reconhecimento, pela mãe, da presença do material estranho estimula a produção de anticorpos que aprestam as defesas do feto, inclusive a produção de inibidor de interleucina 2. Existe, pois, uma provocação inicial, um dispositivo de alarma que desperta um começo de resposta imune. Mas tudo isso ocorre em benefício do ulterior desenvolvimento dos processos de defesa do feto.
Esse fato é confirmado pelas observações de P.M. Johnson, de Liverpool, no Reino Unido. Ele calcula que 1 em 300 mulheres casadas sofra de abortamento espontâneo de natureza imunológica.
Sem a proteção ativa que aquela reação inicial desencadeia, o feto fica à mercê exclusiva das forças que agem para rejeitá-lo. Nas mulheres que sofrem de abortamento espontâneo imunológico, o sinal de alarma deixaria de funcionar pela grande semelhança genética entre os cônjuges, o que está para ser demonstrado.
No St. Mary's Hospital de Londres, procura-se solução menos drástica que a sugerida por Johnson. Ali se realizaram experiências para tentar manipular o sistema imunológico das mulheres, de maneira que estas aceitassem o feto.
Os pesquisadores procuraram promover, com material paterno, a reação inicial por uma espécie de vacinação feita com glóbulos brancos do pai em mulheres que abortavam sem causa discernível.
Das 22 mulheres vacinadas, 17 engravidaram normalmente, ao passo que somente 10 o conseguiram no grupo das mulheres abortadoras que, em vez da vacina, recebiam injeção de seus próprios glóbulos. Em vez de glóbulos brancos, também se pode recorrer, como vacina, ao material da placenta de gravidezes normais. Há em andamento um estudo internacional para descobrir se, de fato, esse tipo de vacinação controla o abortamento espontâneo.
Essas experiências humanas foram inspiradas em cruzamentos interespecíficos de animais, nos quais a imunização materna assegurou a sobrevivência do feto que normalmente seria rejeitado.
Tais experiências foram realizadas em Cambridge, Reino Unido, e Ithaca, Estados Unidos. Nelas, implantaram-se fetos de jumento em seis éguas tratadas pela vacinação com glóbulos brancos do jumento. Em três das éguas conseguiram-se crias vivas, ao passo que, sem vacinação, ocorreram 90% de abortamentos.


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