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BIOLOGIA MOLECULAR
Pesquisadores dos Estados Unidos encontram função imprevista para moléculas de príon no cérebro
Proteína similar à da vaca louca participa da memória
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Substâncias cuja ação imita a de
um dos mais temidos vilões moleculares do planeta podem ser essenciais para a manutenção das
memórias de longo prazo no sistema nervoso. Segundo pesquisadores nos EUA, essa pode ser a
função de parentes dos príons
que causam o mal da vaca louca e
várias doenças graves do cérebro.
A descoberta é relatada em dois
estudos na edição de amanhã da
revista científica norte-americana
"Cell" (www.cell.com).
"Apesar de sabermos um bocado sobre como a memória funciona, não tínhamos idéia clara de
qual poderia ser o principal sistema de armazenamento. Esse estudo sugere uma resposta -mas é
surpreendente descobrir que uma
atividade tipo príon estaria envolvida", diz a bióloga Susan Lindquist, do Instituto Whitehead de
Pesquisa Biomédica, em comunicado oficial. Ao lado do neurobiólogo Eric Kandel, da Universidade
Columbia, Lindquist coordenou
o estudo na "Cell".
Aberrações bioquímicas
Durante muito tempo os príons
foram considerados aberrações
bioquímicas, por causa da associação com o mal da vaca louca e
com seu equivalente humano, a
doença de Creutzfeldt-Jacob. A
proteína vem em duas versões: a
normal, que parece estar envolvida numa série de processos fisiológicos importantes do sistema
nervoso, e a patogênica, que causa
doenças em humanos e animais.
A diferença está no formato das
duas versões. Proteínas dependem dos detalhes de uma complicada estrutura tridimensional para realizar sua função. No príon
patogênico, ocorre um erro no
processo de "enovelamento" que
resulta na estrutura final.
O resultado é que, além de se
tornar inútil, a proteína deformada ainda é capaz de influenciar os
outros príons da vizinhança a
também mudarem de forma. As
moléculas rebeldes, então, começam a se juntar em placas no cérebro, arrebentando os neurônios
(células nervosas) e levando o
doente à morte.
Acontece que, diferentemente
do que se imaginava quando o
príon dos seres humanos foi descoberto, algumas proteínas da levedura ou fungo microscópico
Saccharomyces cerevisiae (usado
na fermentação do álcool) também apresentavam o mesmo sistema acoplado de mudança de
forma e transmissão da mudança
a outras proteínas -só que sem
causar doenças.
O assunto continuaria sendo
mera curiosidade bioquímica se o
pesquisador Kausik Si, aluno de
Eric Kandel, não tivesse descoberto um tipo de príon nas sinapses
(conexões nervosas) da lesma-do-mar Aplysia californica. Esse
molusco é o equivalente do camundongo de laboratório para a
neurobiologia, porque seus neurônios enormes permitem um
exame detalhado de como os impulsos nervosos são produzidos e
transmitidos.
No caso, a proteína CPEB parece estar envolvida no fortalecimento das sinapses, coordenando
a produção de proteínas que são
utilizadas numa conexão entre o
neurônio e outra célula nervosa
que já foi usada antes. Dessa forma, imaginam os pesquisadores,
forma-se uma sinapse mais duradoura, de longo prazo.
Mudança para melhor
A equipe, querendo estudar como a proteína se comportava,
marcou a CPEB com corantes e a
inseriu nas leveduras. Para surpresa dos pesquisadores, não só a
proteína tendia a reverter para a
forma de príon como também parecia conduzir melhor sua função
-coordenar a produção de outras proteínas- nesse estado.
"Mostramos que o estado normal da CPEB pode ser o menos
ativo, enquanto o estado de príon
pode ser o jeito certo para que a
proteína desempenhe sua função", resume Kandel. Mas a constatação de que até o príon supostamente "malvado" tem importante função celular traz implicações ainda mais graves.
Os pesquisadores ainda não testaram o modelo em neurônios vivos, mas sugerem que a estimulação de uma sinapse com um neurotransmissor (os mensageiros
químicos do cérebro) poderia ativar a transformação da CPEB para a sua forma de príon. "Uma vez
que isso acontece, no entanto, a
proteína se torna autoperpetuadora e não requer uma sinalização contínua para sua manutenção", escrevem os pesquisadores.
Trocando em miúdos: a estabilidade do príon CPEB, que permaneceria sem ser degradado pelas células por meses ou até anos,
seria ideal para guardar memórias nas sinapses por longos períodos de tempo. É essa hipótese
que os pesquisadores pretendem
investigar a partir de agora.
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